Nesta entrevista, Cristiano Burlan, que recebeu o pr\u00eamio de Melhor Diretor em Gramado este ano com seu novo longa \u201cA M\u00e3e\u201d, e \u00e9 ex-aluno AIC, diz que n\u00e3o se pode esperar por recursos quando h\u00e1 urg\u00eancia em contar hist\u00f3rias.<\/p>\n
O filme \u00e9 um dos cinco pr\u00e9-indicados a representar o Brasil no Oscar em 2023, e tem Marc\u00e9lia Cartaxo no papel de uma m\u00e3e solteira a procura do filho, que lhe rendeu o pr\u00eamio de Melhor Atriz em Gramado.<\/p>\n
A prova incontest\u00e1vel dessa pr\u00e1tica de guerrilha, referida internacionalmente como DIY<\/em> (Do-It-Yourself<\/em>), \u00e9 que Burlan realizou 15 longa metragens em pouco mais de 15 anos (fora outros projetos, em TV e teatro), tanto filmes de fic\u00e7\u00e3o como document\u00e1rios, que rodaram o circuito de festivais, conquistando pr\u00eamios e indica\u00e7\u00f5es ao longo do caminho.<\/p>\n L\u00e1 no in\u00edcio dessa trajet\u00f3ria, em 2004, ele foi aluno da primeira turma do Filmworks, curso imersivo, de dois anos, de Dire\u00e7\u00e3o Cinematogr\u00e1fica. Na AIC ele conheceu alguns colegas com quem continua a colaborar at\u00e9 hoje, como Lucas Negr\u00e3o, especialista em p\u00f3s-produ\u00e7\u00e3o.<\/p>\n A hist\u00f3ria pessoal de Cristiano Burlan, marcada por trag\u00e9dias familiares e uma inf\u00e2ncia dif\u00edcil passada no violento bairro do Cap\u00e3o Redondo, em S\u00e3o Paulo, ganham latitude em seus filmes. S\u00e3o indissoci\u00e1veis tanto da experi\u00eancia de fazer filmes, sob o ponto de vista do diretor, como de uma crua realidade brasileira, sob o ponto de vista do espectador.<\/p>\n \u201cAdoraria fazer filmes leves, sobre hist\u00f3rias bem-humoradas, fam\u00edlias felizes, mas n\u00e3o consigo\u201d, diz o diretor, que frequente flerta com refer\u00eancias a trag\u00e9dias gregas e shakespearianas em suas narrativas. \u00c9 na sinceridade que a arte floresce.<\/p>\n <\/p>\n AIC: Voc\u00ea se lembra de quando come\u00e7ou a se interessar por cinema, e por que quis fazer filmes? Como isso aconteceu?<\/strong><\/p>\n CRISTIANO BURLAN: Eu comecei a frequentar as salas de cinema ainda crian\u00e7a, minha m\u00e3e era faxineira e para n\u00e3o me deixar s\u00f3 em casa, eu ficava esperando no shopping. Pedi pra entrar num cinema e deixaram. Lembro que o primeiro filme que vi no cinema foi “Fievel, um conto americano”. Aos poucos fui me apaixonando pelo universo, era uma forma de viver outras narrativas.<\/p>\n <\/p>\n Seus filmes s\u00e3o marcados por um forte tra\u00e7o autobiogr\u00e1fico e uma voz definitivamente autoral, trazendo elementos documentais para a fic\u00e7\u00e3o e vice-versa. Como voc\u00ea navega esses universos, lidando com temas t\u00e3o pessoais, que tocam t\u00e3o fundo as emo\u00e7\u00f5es? \u00c9 dif\u00edcil encontrar um equil\u00edbrio?<\/strong><\/p>\n Para mim, cinema \u00e9 sempre pessoal. Parte de motiva\u00e7\u00f5es pessoais, mexem com puls\u00f5es, desejos, mas n\u00e3o se encerram em mim. \u00c9 uma arte coletiva, que precisa entrar em di\u00e1logo com as inquieta\u00e7\u00f5es da equipe, do outro. Mas eu n\u00e3o acredito no universal, n\u00e3o penso que as coisas podem atingir a todos da mesma forma. O equil\u00edbrio \u00e9 buscar fazer o filme entre essas duas pontas, o pessoal e o universal.<\/p>\n <\/p>\n Seus filmes abordam \u2014 de forma pessoal e visceral \u2014 temas sociais centrais para a sociedade brasileira. Espelham uma realidade e uma experi\u00eancia. Sob o ponto de vista social, o que voc\u00ea busca nas suas narrativas?\u00a0<\/strong><\/p>\n De alguma maneira, compreendo o cinema como um instrumento de compreens\u00e3o do mundo, de den\u00fancia, de tomada de consci\u00eancia, de desnaturaliza\u00e7\u00e3o de viol\u00eancias. Mas ele n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 isso. Adoraria fazer filmes leves, sobre hist\u00f3rias bem-humoradas, fam\u00edlias felizes, mas n\u00e3o consigo.<\/p>\n <\/p>\n Desde os curtas-metragens da sua \u00e9poca de estudante na AIC, voc\u00ea j\u00e1 trazia elementos do teatro cl\u00e1ssico, em especial as trag\u00e9dias gregas e de Shakespeare, para os seus filmes. Pode nos contar um pouco sobre essas influ\u00eancias nos seus filmes?\u00a0<\/strong><\/p>\n O teatro \u00e9 minha morada, \u00e9 pra onde sempre retorno quando estou em crise com o cinema, ou para me alimentar e ne preparar para os filmes. Cinema e teatro s\u00e3o linguagens irm\u00e3s, que as pessoas costumam distanciar por falta de interesse e apre\u00e7o.<\/p>\n <\/p>\n No cinema contempor\u00e2neo nacional e internacional, o que te chama mais aten\u00e7\u00e3o? Voc\u00ea v\u00ea afinidades entre linguagens de outros diretores com o seu trabalho?<\/strong><\/p>\n Tem uma gera\u00e7\u00e3o no cinema nacional que eu me identifico, filmes feitos nas quebradas e periferias pelo Brasil que trazer outros corpos e narrativas para a tela. Admiro e me inspiro em parceiros e parceiras que realizam seus projetos ainda que com parcos recursos, que buscam criar suas pr\u00f3prias linguagens.<\/p>\n <\/p>\n Se voc\u00ea pudesse escolher palavras, quaisquer palavras (podem ser objetos, pessoas, lugares, cores, o que for\u2026) que se relacionem com a sua linguagem cinematogr\u00e1fica, quais seriam?<\/strong><\/p>\n Aus\u00eancia, radiografia, elegia, puls\u00e3o, finitude, periferia, latino-am\u00e9rica, Corinthians<\/p>\n <\/p>\n Voc\u00ea vem construindo uma carreira como diretor ao longo de vinte anos, nos quais produziu mais de 15 filmes, quase todos de forma independente, sem incentivos p\u00fablicos. Num modo Do-It-Yourself (DIY) que \u00e9 muito o esp\u00edrito da AIC, e que voc\u00ea leva \u00e0s \u00faltimas consequ\u00eancias \u2014 provando que \u00e9 poss\u00edvel fazer cinema com poucos recursos e muita dedica\u00e7\u00e3o, al\u00e9m de talento. Como foi essa jornada, e o que voc\u00ea diria para quem quer seguir esse caminho?\u00a0<\/strong><\/p>\n N\u00e3o d\u00e1 esperar a situa\u00e7\u00e3o ideal para criar, tanto porque tem hist\u00f3rias que precisam ser registradas agora – n\u00e3o conseguem esperar o tempo de passar em um edital; quanto porque os editais s\u00e3o um funil dif\u00edcil de entrar – muitos projetos, pouco dinheiro. O que eu diria para quem quer seguir esse caminho \u00e9 busque parcerias que dialoguem com teu jeito de criar, com seus desejos e afinidades, n\u00e3o se faz cinema sozinho.<\/p>\n <\/p>\n Voc\u00ea foi aluno da turma inaugural da AIC. Como voc\u00ea lembra aqueles primeiros anos? Como a escola contribuiu para a sua forma\u00e7\u00e3o? E depois, quando foi professor na AIC, o que voc\u00ea procurou transmitir para os alunos?\u00a0<\/strong><\/p>\n A AIC faz parte da minha forma\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica e intelectual. Tenho muito carinho pelos anos de estudante. Tenho grandes parceiros de trabalho que s\u00e3o ex-colegas de aula, como o Lucas Negr\u00e3o, que faz a finaliza\u00e7\u00e3o e corre\u00e7\u00e3o de todos os meus filmes. Como professor, sempre busquei estimular os alunos a pensarem em estrat\u00e9gias para realizarem seus projetos de forma independente e n\u00e3o esquecer que o cinema n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 uma quest\u00e3o t\u00e9cnica, \u00e9 uma express\u00e3o art\u00edsticas e a AIC tamb\u00e9m \u00e9 uma escola de artes. O que fica pra mim da AIC \u00e9 onde tudo come\u00e7ou.<\/p>\n <\/p>\n Sobre o seu novo filme, \u201cA M\u00e3e\u201d, quais foram os maiores desafios, e o que mais lhe agradou durante o processo de realiza\u00e7\u00e3o?\u00a0<\/strong><\/p>\n O maior desafio foi fazer o filme acontecer, dada as dificuldades que vivemos nos \u00faltimos anos com o descaso do governo com o cinema e com a pandemia. O tema do filme mexe muito comigo e foi muito importante ter a D\u00e9bora Silva, fundadora do Movimento M\u00e3es de Maio, junto conosco. O que mais me agradou foi o empenho de toda a equipe que acreditou neste projeto, em especial minha grande parceira neste projeto a atriz e roteirista Ana Carolina Marinho, que iniciou essa saga comigo.<\/p>\n <\/p>\n