<\/a><\/p>\n <\/p>\n
Sua m\u00fasica \u00e9 muito ecl\u00e9tica e \u00e9 atravessada por diversas influ\u00eancias; como voc\u00ea descreveria o seu estilo? <\/strong>\u00a0<\/strong><\/p>\nUma met\u00e1fora: numa \u00e1rvore, nenhuma folha se parece com a outra, embora elas todas perten\u00e7am \u00e0 mesma \u00e1rvore. Um compositor tem que se vestir de acordo com o filme, os di\u00e1logos, muitas coisas; mas por tr\u00e1s deste disfarce, voc\u00ea sente que tem algu\u00e9m ali. Somos, dentro de n\u00f3s, tudo que queremos, tudo que amamos. Quando eu escrevo, eu sou brasileiro, da mesma forma que quando componho um tango, eu sou argentino, ou quando componho uma m\u00fasica que soa h\u00fangara, eu sou h\u00fangaro. Isto \u00e9 estilo, porque estilo n\u00e3o \u00e9 repetir sempre a mesma coisa; \u00e9 \u00e0s vezes se esconder por tr\u00e1s daquilo que lhe foi pedido. N\u00e3o sou a pessoa mais indicada para falar sobre mim e meu estilo, mas em minha m\u00fasica voc\u00ea sempre vai encontrar uma melodia muito pessoal, harmonias sofisticadas e uma estrutura bem definida.<\/em>\u00a0<\/strong><\/p>\nPode nos falar um pouco sobre o seu processo de composi\u00e7\u00e3o musical para um filme?<\/strong>\u00a0<\/strong><\/p>\nPrefiro come\u00e7ar a compor antes da filmagem. Come\u00e7o a pensar sobre a m\u00fasica logo ap\u00f3s ler o roteiro e conversar com o diretor. A\u00ed eu come\u00e7o a compor uma pe\u00e7a em homenagem ao filme que \u201cainda n\u00e3o existe\u201d. A partir da conversa com o diretor e da leitura do roteiro, eu componho, ent\u00e3o, uma m\u00fasica que existe por si s\u00f3, por ela mesma, que tem a sua pr\u00f3pria estrutura, independentemente das imagens.<\/em><\/p>\nA quest\u00e3o da m\u00fasica para filme \u00e9 que se voc\u00ea come\u00e7a a compor diretamente para as imagens, sem antes conceber uma pe\u00e7a para o filme como um todo, voc\u00ea n\u00e3o ter\u00e1 os ingredientes necess\u00e1rios para faz\u00ea-lo, porque a m\u00fasica para filme tende a ser atomizada, ela \u00e9 muito esparsa. Voc\u00ea precisa ter uma unidade, um todo, que possa ser destilada ao longo do filme.\u00a0<\/em><\/p>\nSauve qui peut (la vie) <\/em><\/strong>(1980), de Jean-Luc Godard, foi o seu primeiro trabalho no cinema. Que influ\u00eancia teve Godard na sua singular abordagem de composi\u00e7\u00e3o\u00a0 musical para cinema?<\/strong>\u00a0<\/strong><\/p>\nSauve qui peut (la vie) praticamente formou minha compreens\u00e3o de composi\u00e7\u00e3o musical para cinema. Godard me contou a hist\u00f3ria,\u00a0 o enredo do filme, e me disse que n\u00e3o era necess\u00e1rio ver as imagens. Ele simplesmente me deu oito compassos de uma \u00f3pera de Ponchielli, La Gioconda, e prop\u00f4s que eu trabalhasse em torno do tema; variando e desenvolvendo-o, mesmo \u201cescondendo\u201d o tema quando necess\u00e1rio. Eu compus a m\u00fasica para sintetizadores – o que era bastante moderno para a \u00e9poca – e a gravei em camadas. Durante as grava\u00e7\u00f5es, Godard vinha e ficava assistindo – ele ficava l\u00e1 e n\u00e3o falava nada, ele apenas escutava, escutava, escutava\u2026 Quando eu entreguei-lhe\u00a0 a grava\u00e7\u00e3o finalizada, ele pegou toda a m\u00fasica e editou as cenas para a m\u00fasica. E quando a m\u00fasica tinha de ser cortada, ele cortava daquela maneira \u201cbem Godard”, ou seja, abruptamente. A m\u00fasica ficou em total osmose com o filme – ela \u00e9 o resultado de uma mistura de m\u00fasicas originais minhas e de m\u00fasicas inspiradas por Ponchielli, nas quais \u00e0s vezes voc\u00ea consegue identificar o tema, \u00e0s vezes n\u00e3o.\u00a0\u00a0<\/em> \u00a0\u00a0<\/em><\/p>\nVoc\u00ea fala da import\u00e2ncia de dar \u201cespa\u00e7o\u201d para a m\u00fasica. Pode falar um pouco sobre isso?<\/strong>\u00a0<\/em><\/p>\nVeja como Fellini dava espa\u00e7o \u00e0 musica do Nino Rota. O mesmo acontecia com Sergio Leone e Ennio Morricone, Alfred Hitchcock e Bernard Hermann. Estes diretores davam um espa\u00e7o real para a m\u00fasica, que ent\u00e3o adquiria uma verdadeira personalidade e assumia o lugar de um verdadeiro personagem na hist\u00f3ria. Para se atingir este n\u00edvel de cumplicidade art\u00edstica, voc\u00ea tem que ter uma rela\u00e7\u00e3o de muito entendimento com o diretor. Eu nunca tive que pedir para o Anthony Minghella me dar espa\u00e7o; ele simplesmente dizia \u201cv\u00e1 em frente, crie\u201d. Mesma coisa com Jean-Jacques Beineix em Betty Blue – toda a m\u00fasica foi composta antes das filmagens.\u00a0 Eu mandei meus demos para a equipe toda: o produtor, diretor, diretor de fotografia, atores, todos eles conheciam a m\u00fasica e a colocaram para tocar durante as filmagens. Ent\u00e3o quando o filme saiu, as pessoas falaram \u201cNossa, como as imagens e a m\u00fasica est\u00e3o em harmonia!\u201d. Mas isso aconteceu porque a m\u00fasica foi composta – compor significa \u201cpor junto\u201d – com o filme.<\/em><\/p>\nMuitos diretores usam m\u00fasicas ditas \u201ctempor\u00e1rias\u201d (temp track<\/em>) como fonte de inspira\u00e7\u00e3o; durante as filmagens e o processo de edi\u00e7\u00e3o s\u00e3o utilizadas trilhas sonoras tiradas de diversas fontes, como, por exemplo, m\u00fasicas de outros filmes etc. e as mostram para o compositor como refer\u00eancia para ele criar a sua pr\u00f3pria trilha original. O que acha disso?<\/strong>\u00a0<\/strong><\/p>\nQuando estava trabalhando no Paciente Ingl\u00eas, eu mandava para o editor, o maravilhoso Walter Murch, demos durante o processo de edi\u00e7\u00e3o para que ele pudesse adicion\u00e1-los \u00e0s imagens. Ele nunca editava as imagens com qualquer m\u00fasica \u201ctempor\u00e1ria\u201d; editores hoje em dia est\u00e3o habituados a editar as imagens com um temp track em mente, e o problema disso \u00e9 que eles se acostumam com ela, se viciam nela, e depois t\u00eam dificuldade de se abrir para um compositor que chega ao projeto com suas pr\u00f3prias ideias. Ent\u00e3o, eu mandava demos para o Walter para ajud\u00e1-lo durante as edi\u00e7\u00f5es; e olha que isso era em 1996, quando a tecnologia n\u00e3o era t\u00e3o avan\u00e7ada e os demos soavam de forma amadora, se comparada ao que temos atualmente. Mas Walter os usava assim mesmo. Mesma coisa com O Talentoso Ripley, mesma coisa com Cold Mountain.<\/em><\/p>\nTer a m\u00fasica tocada durante as filmagens e o processo de edi\u00e7\u00e3o pode ser muito importante. Uma nova m\u00fasica, em vez do temp track, pode abrir o horizonte de um diretor e apresentar-lhe novas maneiras de pensar as imagens e os sons; mas para isso acontecer, para tir\u00e1-lo de sua zona de conforto, ele precisa estar ciente do qu\u00e3o importante \u00e9 contratar um compositor nas fases iniciais de um projeto, porque um compositor \u00e9 essencial ao processo todo. Fico feliz que atualmente compositores como Hans Zimmer estejam adotando esta abordagem – eu comecei assim 40 anos atr\u00e1s.\u00a0\u00a0\u00a0<\/em>\u00a0<\/strong><\/p>\nVoc\u00ea costuma dizer que suas m\u00fasicas para filme existem independentemente das imagens; isso significaria que, em sua ess\u00eancia, a m\u00fasica \u00e9 desprovida de qualquer imagem, ou, ao contr\u00e1rio, que h\u00e1 sempre na m\u00fasica uma potencial cria\u00e7\u00e3o de imagens?<\/strong>\u00a0<\/strong><\/p>\nAcho que a m\u00fasica para filme, que est\u00e1 se tornando a nova m\u00fasica cl\u00e1ssica contempor\u00e2nea, deve mesmo ser tocada em salas de concerto. Mas para isso acontecer, ela deve ser uma pe\u00e7a de qualidade que exista por si mesma, que possa ser tocada sem imagens, pois o poder da m\u00fasica \u00e9 justamente o poder de despertar imagens interiores nos ouvintes. Ent\u00e3o eu sempre falo para o meu p\u00fablico antes de um concerto: \u201cVoc\u00eas sabem que\u00a0 h\u00e1 imagens por tr\u00e1s destas m\u00fasicas, mas agora, depois de servir \u00e0s imagens, a m\u00fasica retorna \u00e0 sua ess\u00eancia, que \u00e9 ser m\u00fasica. Ent\u00e3o fechem seus olhos e criem suas pr\u00f3prias imagens, seu pr\u00f3prio filme; esta \u00e9 a raz\u00e3o deste concerto\u201d. Relaciono a m\u00fasica para filme com a m\u00fasica para ballet, que foi a revolu\u00e7\u00e3o musical mais importante do in\u00edcio do s\u00e9culo passado; Debussy, Ravel e Stravinsky revolucionaram completamente a m\u00fasica, como acontece atualmente na m\u00fasica para cinema. Ao mesmo tempo em se v\u00ea as imagens, recebe-se a m\u00fasica de forma subliminar. Tenho sempre consci\u00eancia disto, quer esteja compondo para um filme, uma \u00f3pera, uma pe\u00e7a de concerto, ou mesmo para um comercial de 15 segundos.\u00a0\u00a0\u00a0<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"Entrevista: Cecilia Muylaert Compositor da trilha sonora do filme Judy, estrelado por Ren\u00e9e Zellweger e com dire\u00e7\u00e3o de Rupert Goold, que estr\u00e9ia esta semana no Brasil, Gabriel Yared comp\u00f4s as m\u00fasicas de O paciente ingl\u00eas, que lhe valeu o Oscar de Melhor M\u00fasica, O talentoso Ripley, A vida dos outros, Betty Blue, dentre tantos outros …<\/p>\n
Entrevista com o compositor Gabriel Yared<\/span> Leia mais »<\/a><\/p>\n","protected":false},"author":18,"featured_media":20129,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"site-sidebar-layout":"default","site-content-layout":"","ast-site-content-layout":"","site-content-style":"default","site-sidebar-style":"default","ast-global-header-display":"","ast-banner-title-visibility":"","ast-main-header-display":"","ast-hfb-above-header-display":"","ast-hfb-below-header-display":"","ast-hfb-mobile-header-display":"","site-post-title":"","ast-breadcrumbs-content":"","ast-featured-img":"","footer-sml-layout":"","theme-transparent-header-meta":"","adv-header-id-meta":"","stick-header-meta":"","header-above-stick-meta":"","header-main-stick-meta":"","header-below-stick-meta":"","astra-migrate-meta-layouts":"","ast-page-background-enabled":"default","ast-page-background-meta":{"desktop":{"background-color":"var(--ast-global-color-4)","background-image":"","background-repeat":"repeat","background-position":"center center","background-size":"auto","background-attachment":"scroll","background-type":"","background-media":"","overlay-type":"","overlay-color":"","overlay-gradient":""},"tablet":{"background-color":"","background-image":"","background-repeat":"repeat","background-position":"center center","background-size":"auto","background-attachment":"scroll","background-type":"","background-media":"","overlay-type":"","overlay-color":"","overlay-gradient":""},"mobile":{"background-color":"","background-image":"","background-repeat":"repeat","background-position":"center center","background-size":"auto","background-attachment":"scroll","background-type":"","background-media":"","overlay-type":"","overlay-color":"","overlay-gradient":""}},"ast-content-background-meta":{"desktop":{"background-color":"var(--ast-global-color-5)","background-image":"","background-repeat":"repeat","background-position":"center center","background-size":"auto","background-attachment":"scroll","background-type":"","background-media":"","overlay-type":"","overlay-color":"","overlay-gradient":""},"tablet":{"background-color":"var(--ast-global-color-5)","background-image":"","background-repeat":"repeat","background-position":"center center","background-size":"auto","background-attachment":"scroll","background-type":"","background-media":"","overlay-type":"","overlay-color":"","overlay-gradient":""},"mobile":{"background-color":"var(--ast-global-color-5)","background-image":"","background-repeat":"repeat","background-position":"center center","background-size":"auto","background-attachment":"scroll","background-type":"","background-media":"","overlay-type":"","overlay-color":"","overlay-gradient":""}},"footnotes":""},"categories":[522],"tags":[],"acf":[],"yoast_head":"\nEntrevista com o compositor Gabriel Yared - Academia Internacional de Cinema (AIC)<\/title>\n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n