{"id":21261,"date":"2019-05-02T16:25:37","date_gmt":"2019-05-02T19:25:37","guid":{"rendered":"http:\/\/aicinema.site.brtloja.com.br\/?p=21261"},"modified":"2019-12-18T11:53:31","modified_gmt":"2019-12-18T13:53:31","slug":"isso-que-nao-se-ve-tese-de-doutorado-do-coordenador-isaac-pipano","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.aicinema.com.br\/isso-que-nao-se-ve-tese-de-doutorado-do-coordenador-isaac-pipano\/","title":{"rendered":"Isso que N\u00e3o se V\u00ea – tese de doutorado do coordenador Isaac Pipano"},"content":{"rendered":"
Isaac Pipano, coordenador acad\u00eamico do FilmWorks<\/a> RJ, professor e \u201cfazedor de filmes\u201d, defendeu recentemente sua tese de doutorado, Isso que n\u00e3o se v\u00ea<\/a> – Pistas para uma pedagogia das imagens<\/em> . O trabalho \u00e9 resultado de um processo de quatro anos de pesquisas, viagens, oficinas, congressos e filmes, passando pelo Brasil, Fran\u00e7a e Bol\u00edvia, entre a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universit\u00e9 Sorbonne Nouvelle, em Paris.<\/strong> <\/strong><\/p>\n Em entrevista para a comunica\u00e7\u00e3o da AIC, Isaac conta um pouco desse trabalho incr\u00edvel:<\/strong><\/p>\n AIC: Como voc\u00ea resumiria sua tese de doutorado? AIC: O que deu origem \u00e0s suas pesquisas em pedagogia das imagens? Por que a escolha desse campo? AIC: Como foi sua jornada como pesquisador de Comunica\u00e7\u00e3o, ao mesmo tempo em que atuava como professor na AIC? Como uma atividade afetou a outra? AIC: No que diz respeito \u00e0 linguagem, voc\u00ea buscou uma abordagem mais narrativa e menos academicista em sua tese. Qual foi o motivo dessa escolha? AIC: O que significa sua afirma\u00e7\u00e3o de que o cinema e a escola s\u00e3o “m<\/strong>a\u0301<\/strong>quinas de fazer ver e viver”? AIC: De que maneira as pr\u00e1ticas educadoras, em conjunto com as manifesta\u00e7\u00f5es audiovisuais, podem ser melhoradas e ampliadas no Brasil? *Entrevista: katia Kreutz<\/em><\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Isaac Pipano, coordenador acad\u00eamico do FilmWorks RJ, professor e \u201cfazedor de filmes\u201d, defendeu recentemente sua tese de doutorado, Isso que n\u00e3o se v\u00ea – Pistas para uma pedagogia das imagens . O trabalho \u00e9 resultado de um processo de quatro anos de pesquisas, viagens, oficinas, congressos e filmes, passando pelo Brasil, Fran\u00e7a e Bol\u00edvia, entre …<\/p>\n
\n<\/strong>Isaac Pipano:<\/strong> A hip\u00f3tese da tese consiste na cr\u00edtica ao regime da representa\u00e7\u00e3o, que tem sua heran\u00e7a na filosofia plat\u00f4nica e foi ressignificado pelo cristianismo. Esse regime ganha consist\u00eancia no cinema nos anos 1920 e 1930, quando n\u00e3o apenas a ind\u00fastria cinematogr\u00e1fica, mas tamb\u00e9m os modelos narrativos, s\u00e3o instaurados e acabam definindo os paradigmas para toda a produ\u00e7\u00e3o das imagens no decorrer do s\u00e9culo XX. O fator interessante \u00e9 que o regime da representa\u00e7\u00e3o est\u00e1 presente para al\u00e9m do campo cinematogr\u00e1fico, \u00e0 medida que cristaliza modelos que submetem as imagens e os sujeitos a certas for\u00e7as e interesses pol\u00edtico-econ\u00f4micos e tamb\u00e9m pedag\u00f3gicos. O interesse pelo cinema como uma ferramenta educadora foi acompanhado da ideia de que as imagens poderiam, por serem mais f\u00e1ceis e assimil\u00e1veis do que o livro, formar a consci\u00eancia da popula\u00e7\u00e3o, transmitindo saberes e colaborando para os projetos nacionalistas daquele per\u00edodo. Foi assim que o regime da representa\u00e7\u00e3o juntou as pontas entre as imagens e a educa\u00e7\u00e3o. Finalmente, trata-se n\u00e3o mais de se perguntar agora \u201co que \u00e9 o cinema?\u201d, mas indagar-se por que o cinema \u00e9 o que \u00e9, a partir de quais interesses, no \u00e2mbito de quais disputas e jogos e por que foi sendo assim constru\u00eddo hegemonicamente ao longo do \u00faltimo s\u00e9culo?<\/em>\u00a0<\/strong><\/p>\n
\n<\/strong>I.P.:<\/strong> Nosso trabalho com a pedagogia das imagens tem in\u00edcio na experi\u00eancia das oficinas na Escola Livre de Cinema de Nova Igua\u00e7u. Ali, passamos a entender a necessidade de compreender o cinema atrelado \u00e0 educa\u00e7\u00e3o para al\u00e9m do trabalho de produ\u00e7\u00e3o e realiza\u00e7\u00e3o de filmes, mas conectado \u00e0s vidas e lutas das pessoas que vivem nesses lugares. Nosso problema passou a ser menos a realiza\u00e7\u00e3o de filmes e mais o cinema como parte de processos subjetivos e a inven\u00e7\u00e3o de novos territ\u00f3rios existenciais. Em seguida, participei da idealiza\u00e7\u00e3o, ao lado de Cezar Migliorin e Luiz Garcia Vieira Jr., do projeto Inventar com a Diferen\u00e7a \u2013 cinema, educa\u00e7\u00e3o e direitos humanos, em que desenvolvemos uma metodologia para o ensino de cinema voltada para a forma\u00e7\u00e3o de professores do ensino b\u00e1sico no Brasil. Esse trabalho foi expandido para todos os estados brasileiros, al\u00e9m de pa\u00edses como a Argentina, Bol\u00edvia, Chile e Uruguai. O Inventar nos explicitou a necessidade de pensarmos e produzirmos novas teorias sobre a educa\u00e7\u00e3o e as imagens.<\/em><\/p>\n
\n<\/strong>I.P.: <\/strong>Estar \u00e0 frente de um curso t\u00e9cnico para realizadoras e realizadores e participar no ambiente acad\u00eamico permitiu que eu criasse um tr\u00e2nsito cruzado entre ambas as esferas. Discordo amplamente da perspectiva de que a vida pr\u00e1tica e o universo te\u00f3rico s\u00e3o inst\u00e2ncias apartadas. Pelo contr\u00e1rio, s\u00f3 h\u00e1 pensamento numa certa pragm\u00e1tica da vida e a vida \u00e9 o que move o pensar-agir. Nesse sentido, o trabalho te\u00f3rico, o pensamento sobre as imagens, e o ensino do cinema, est\u00e3o associados aos filmes que fazemos, aos processos e pr\u00e1ticas que orientamos, de forma cont\u00ednua. Certamente, n\u00e3o \u00e9 um caminho \u00f3bvio ou f\u00e1cil, por\u00e9m, n\u00e3o parece haver outra maneira de faz\u00ea-lo, atualmente.<\/em><\/p>\n
\n<\/strong>I.P.:<\/strong> A op\u00e7\u00e3o por uma escrita mais liter\u00e1ria e menos baseada numa forma acad\u00eamica \u00e9 derivada do fato de que o combate \u00e0s estruturas \u2013 institucionais, pol\u00edticas, discursivas – precisa ser feito tanto no n\u00edvel do conte\u00fado, quanto na forma. Conte\u00fado e forma s\u00e3o duas esferas indiscern\u00edveis da produ\u00e7\u00e3o do pensamento \u2013 seja ela a escrita, seja ela o cinema. Portanto, se a tese se constr\u00f3i na cr\u00edtica aos modelos, n\u00e3o h\u00e1 outra maneira de propor a escrita sen\u00e3o tamb\u00e9m inventando formas n\u00e3o estruturadas, mais libertas, menos baseadas em alguns dos paradigmas da ci\u00eancia moderna e mais porosas \u00e0 realidade social, assim como \u00e0 dimens\u00e3o subjetiva do pesquisador que est\u00e1 implicada na produ\u00e7\u00e3o cient\u00edfica. Convocar experi\u00eancias pessoais, como tamb\u00e9m a literatura e a poesia, para conect\u00e1-las \u00e0 dimens\u00e3o te\u00f3rica, nos pareceu uma chave fundamental para a escrita da tese, sem abandonar o rigor conceitual e o desejo de manipular textos e uma bibliografia correntes nas pesquisas acad\u00eamicas no Brasil.<\/em><\/p>\n
\n<\/strong>I.P.: <\/strong>Quando optamos por pensar o cinema e a escola no quadro das m\u00e1quinas, nos posicionamos ao lado de pensadores como F\u00e9lix Guattari, que compreendem as m\u00e1quinas n\u00e3o apenas pela sua tecnicidade. Quer dizer, n\u00e3o nos referimos apenas aos sistemas \u00f3pticos ou \u00e0 tecnologia empregada, no caso do cinema; ou \u00e0 estrutura disciplinar da escola, com seus corredores, sistemas de notas, alarmes. S\u00e3o m\u00e1quinas, assim no plural, porque articulam uma s\u00e9rie de elementos heterog\u00eaneos que comp\u00f5em universos muito distintos. Em sua forma maqu\u00ednica, o cinema n\u00e3o \u00e9 apenas um aparato: a cada vez que se aperta um bot\u00e3o para filmar articula-se nesse instante uma s\u00e9rie de m\u00e1quinas que s\u00e3o t\u00e9cnicas, simb\u00f3licas, sens\u00edveis, afetivas, econ\u00f4micas. Dito de outra forma, quando uma crian\u00e7a ou jovem filma na escola, ela est\u00e1 pondo para funcionar no mesmo movimento o seu corpo-olhar associado \u00e0 c\u00e2mera, mas agenciando o sistema de representa\u00e7\u00e3o do cinema, a linguagem e as teorias cinematogr\u00e1ficas, os japoneses ou alem\u00e3es que desenvolveram os softwares, as tarifas alfandeg\u00e1rias que fazem aquela c\u00e2mera ali estar, o sistema de cor racializado que se baseia na pele branca como paradigma para a cria\u00e7\u00e3o da imagem, o peso f\u00edsico do aparato; enfim, s\u00e3o muitas as m\u00e1quinas num mesmo movimento. Pensar o cinema e a educa\u00e7\u00e3o no mundo contempor\u00e2neo nos parece exigir colocar essas m\u00e1quinas em funcionamento. Quando est\u00e3o acopladas aos corpos dos estudantes, as m\u00e1quinas podem produzir in\u00fameros movimentos; alguns s\u00e3o extremamente libert\u00e1rios e revolucion\u00e1rios, t\u00eam o potencial de engajar experi\u00eancias singulares que desorganizam o que est\u00e1 dado, criando novos territ\u00f3rios sens\u00edveis, abrindo o corpo a novas possibilidades pl\u00e1sticas ainda n\u00e3o dadas ou concebidas, imaginando novos mundos. Em contraposi\u00e7\u00e3o, a forma maqu\u00ednica do cinema pode tamb\u00e9m cristalizar e sedimentar processos hier\u00e1rquicos de extrema verticalidade. N\u00e3o abandonar essa ambival\u00eancia do cinema pareceu fundamental \u00e0 medida que pairava no ar um certo discurso que afirmava o cinema ser, a priori, uma forma art\u00edstica libertadora, num sentido maravilhado e pouco tensionado. Foi assumindo a dimens\u00e3o maqu\u00ednica do cinema que entendemos que seria preciso enfrentar o fundamento da representa\u00e7\u00e3o como o primado do cinema e da educa\u00e7\u00e3o. Pois a representa\u00e7\u00e3o estanca a for\u00e7a maqu\u00ednica, opera por modelos ao inv\u00e9s de linhas, estruturas ao inv\u00e9s de redes, faz navios de cruzeiro ao inv\u00e9s de jangadas. Por\u00e9m, entendemos que o gesto de enfrentar a representa\u00e7\u00e3o n\u00e3o poderia se dar atrav\u00e9s da cria\u00e7\u00e3o de modelos melhorados. Precisar\u00edamos entender que qualquer a\u00e7\u00e3o \u00e9 singular, exige presen\u00e7a e participa\u00e7\u00e3o no territ\u00f3rio, se faz com os corpos e espa\u00e7os que ali est\u00e3o, maquinando com o cinema. S\u00e3o apenas tentativas e nada mais.<\/em><\/p>\n
\n<\/strong>I.P.:<\/strong> Estamos vivenciando no pa\u00eds um momento duro de recrudescimento de muitas pol\u00edticas implementadas nas duas \u00faltimas d\u00e9cadas, que impactaram de forma consider\u00e1vel os campos da cultura e da educa\u00e7\u00e3o. Com a redu\u00e7\u00e3o dr\u00e1stica dos aportes e pol\u00edticas p\u00fablicas sob risco, como os recentes ataques \u00e0 ANCINE, ao FSA ou \u00e0 Lei Rouanet, fundamentais para a estrutura\u00e7\u00e3o da cadeia econ\u00f4mica do audiovisual, da cultura e da educa\u00e7\u00e3o, como um tecido conjugado, assim como projetos perniciosos como o Escola sem Partido; cremos que cabe a n\u00f3s, como sociedade, pressionarmos o governo para garantir a manuten\u00e7\u00e3o de certas pautas. Por\u00e9m, como temos visto, isso n\u00e3o ser\u00e1 o bastante, o que nos leva a pensar em novas formas coletivas de resist\u00eancia n\u00e3o dependentes ou subordinadas \u00e0s din\u00e2micas pol\u00edticas institucionais, que s\u00e3o cada vez mais fr\u00e1geis e mudam ao sabor do vento. Nesse sentido, uma aten\u00e7\u00e3o \u00e0 micropol\u00edtica, aos processos menores, de grupos, tem sido fundamental. Talvez o enfrentamento se d\u00ea mais fortemente em tais campos do que propriamente nas esferas institucionais, dominadas atualmente pela incompet\u00eancia pol\u00edtica e por um projeto que visa \u00e0 clara degenera\u00e7\u00e3o das esferas da educa\u00e7\u00e3o e do audiovisual de direito p\u00fablico.<\/em><\/p>\n