{"id":19463,"date":"2018-10-17T13:33:49","date_gmt":"2018-10-17T16:33:49","guid":{"rendered":"http:\/\/aicinema.site.brtloja.com.br\/?p=19463"},"modified":"2024-04-11T18:06:24","modified_gmt":"2024-04-11T21:06:24","slug":"cinema-novo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.aicinema.com.br\/cinema-novo\/","title":{"rendered":"Cinema Novo"},"content":{"rendered":"

O que foi o movimento cinematogr\u00e1fico, suas principais caracter\u00edsticas est\u00e9ticas, filmes e cineastas mais importantes e suas influ\u00eancias para o cinema contempor\u00e2neo.<\/strong><\/h2>\n

Para alguns brasileiros, o cinema nacional ainda carrega um estigma de filmes pouco envolventes ou desafiadores. O que muita gente n\u00e3o sabe, principalmente quem cresceu em meio a uma cultura dominada por superprodu\u00e7\u00f5es de Hollywood, \u00e9 que nos anos 1960 nasceu em terras tupiniquins um movimento que est\u00e1 entre os mais inovadores, instigantes e revolucion\u00e1rios da hist\u00f3ria cinematogr\u00e1fica mundial: o Cinema Novo.<\/span><\/p>\n

Fortemente influenciado pelo Neorrealismo italiano<\/strong><\/a> e pela Nouvelle Vague francesa<\/strong><\/a>, o movimento atingiu seu auge ap\u00f3s o golpe militar de 1964 e foi marcado pelo descontentamento de um grupo de cineastas com rela\u00e7\u00e3o \u00e0s quest\u00f5es pol\u00edticas e sociais do pa\u00eds. A desigualdade e a opress\u00e3o faziam parte de um contexto de luta que marcou n\u00e3o apenas o Cinema Novo, como toda a produ\u00e7\u00e3o dos pa\u00edses de terceiro mundo na \u00e9poca.<\/span><\/p>\n

\u201cUma est\u00e9tica da viol\u00eancia antes de ser primitiva \u00e9 revolucion\u00e1ria, eis a\u00ed o ponto inicial para que o colonizador compreenda a exist\u00eancia do colonizado.\u201d (Glauber Rocha)<\/span><\/i><\/p>\n

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O que foi o movimento<\/b><\/h3>\n

O Cinema Novo surgiu como uma resposta ao cinema tradicional que fazia sucesso nas bilheterias brasileiras no final da d\u00e9cada de 1950, um cinema que basicamente se resumia a musicais, com\u00e9dias e hist\u00f3rias \u00e9picas no estilo hollywoodiano, muitas vezes realizados com recursos de produtoras e distribuidoras estrangeiras.<\/span><\/p>\n

Nesse contexto, um grupo de jovens cineastas, sedentos de mudan\u00e7a e dispostos a combater o que eles caracterizavam como um cinema de mau gosto e \u201cprostitu\u00eddo\u201d, adotou o lema \u201cuma c\u00e2mera na m\u00e3o e uma ideia na cabe\u00e7a\u201d para atacar o industrialismo cultural e a aliena\u00e7\u00e3o das populares chanchadas. O que eles buscavam era uma arte engajada, movida pelas preocupa\u00e7\u00f5es sociais e enraizada na cultura brasileira.<\/p>\n

A chamada \u201cest\u00e9tica da fome\u201d surgiu, ent\u00e3o, para representar os temas da mis\u00e9ria e da viol\u00eancia em fun\u00e7\u00e3o da constru\u00e7\u00e3o de um projeto cinematogr\u00e1fico: o de um \u201ccinema perigoso, divino e maravilhoso\u201d \u2013 como definiu Glauber Rocha, usando a letra de uma can\u00e7\u00e3o de Gal Costa, no filme <\/span>O Vento do Leste<\/span><\/i> (1970), de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin. <\/span><\/p>\n

Aos poucos, o movimento foi se tornando cada vez mais politizado e sintonizado com a realidade das camadas populares, trabalhadoras, a ponto de ter sido considerado o cinema mais pol\u00edtico da Am\u00e9rica Latina, naquele per\u00edodo.<\/span><\/p>\n

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Um pouco de hist\u00f3ria<\/b><\/h3>\n

A gera\u00e7\u00e3o de cineastas do Cinema Novo cresceu em meio a um contexto hist\u00f3rico conturbado e de muitos questionamentos, no Brasil e no mundo. Se, de um lado, os jovens demonstravam uma vontade de romper com valores estabelecidos (quest\u00f5es sociais, culturais e de g\u00eanero, por exemplo); de outro, o conservadorismo e a repress\u00e3o a esses movimentos ganhavam for\u00e7a. <\/span><\/p>\n

A juventude que atuava no cinema acreditava que era necess\u00e1rio lutar contra o empobrecimento intelectual que dominava a popula\u00e7\u00e3o brasileira, tendo como arma uma arte com conte\u00fado, mais pr\u00f3xima do real e que pudesse ser feita com poucos recursos. Embora esses ideais fundamentais tenham se mantido em todos os filmes do movimento, historicamente o Cinema Novo \u00e9 dividido em tr\u00eas fases, que se diferenciam em atmosfera, estilo e conte\u00fado. <\/span><\/p>\n

Na chamada Primeira Fase (1960 a 1964), antes que a ditadura militar se instaurasse no pa\u00eds, o Centro Popular de Cultura\u00a0(CPC), uma entidade associada \u00e0 Uni\u00e3o Nacional de Estudantes (UNE), lan\u00e7ou o filme <\/span>Cinco Vezes Favela<\/span><\/i> (1961), dirigido por Cac\u00e1 Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Miguel Borges e Marcos Farias. O longa-metragem, dividido em cinco epis\u00f3dios, \u00e9 considerado por muitos te\u00f3ricos como uma das primeiras produ\u00e7\u00f5es do Cinema Novo. <\/span><\/p>\n

Glauber Rocha, que certamente est\u00e1 entre os mais influentes nomes do movimento, foi tamb\u00e9m seu maior defensor e um dos respons\u00e1veis por sua exist\u00eancia. Ele queria fazer filmes que educassem o p\u00fablico. Em 1964, lan\u00e7ou Deus e o Diabo na Terra do Sol <\/i>no Festival de Cannes, na Fran\u00e7a, e foi indicado \u00e0 Palma de Ouro. Ainda hoje, o longa \u00e9 um marco do cinema brasileiro.<\/p>\n

A Primeira Fase do Cinema Novo representa bem as motiva\u00e7\u00f5es e os objetivos primordiais do movimento, com tem\u00e1ticas sociais que retratavam as dificuldades do povo: a fome, a viol\u00eancia, a aliena\u00e7\u00e3o religiosa e a explora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica. Os filmes queriam se afastar da imagem que o Brasil tinha no exterior: belos atores em para\u00edsos tropicais. Ou seja, mostravam a realidade nua e crua, em especial nas periferias e no sert\u00e3o. A seu modo, tamb\u00e9m criticavam a maneira pac\u00edfica como os brasileiros lidavam com esses problemas, mas ainda apresentavam algum otimismo de que as coisas poderiam mudar.<\/span><\/p>\n

Segundo o cineasta Cac\u00e1 Diegues, o foco dessa fase do Cinema Novo n\u00e3o estava na edi\u00e7\u00e3o e no enquadramento, por isso seu estilo era visualmente pr\u00f3ximo do documental. A inten\u00e7\u00e3o era, de fato, espalhar a filosofia do proletariado. “Os cineastas brasileiros (principalmente no Rio, na Bahia e em S\u00e3o Paulo) levaram suas c\u00e2meras e sa\u00edram para as ruas, o interior e as praias em busca do povo brasileiro, o campon\u00eas, o trabalhador, o pescador, o morador das favelas”, afirmou. <\/span><\/p>\n

Quando o presidente Jo\u00e3o Goulart foi deposto pelos militares, iniciou-se a Segunda Fase do Cinema Novo (1964\u20131968)<\/a>. Foi nesse momento que os brasileiros perderam a f\u00e9 nos ideais do movimento, j\u00e1 que a promessa de prote\u00e7\u00e3o dos direitos civis e de luta contra a opress\u00e3o n\u00e3o se concretizou. Ou seja, os jovens e idealistas cineastas haviam falhado em sua empreitada de manter a democracia, usando a arte como instrumento pol\u00edtico.<\/span><\/p>\n

Muitos acreditam que essa desconex\u00e3o com o povo brasileiro se deva ao fato de que os diretores do movimento passaram a tentar agradar mais aos cr\u00edticos do que ao p\u00fablico. A tem\u00e1tica dos filmes passou a focar na ang\u00fastia e na perplexidade de um pa\u00eds sob um regime autorit\u00e1rio, como que aceitando o fracasso do Cinema Novo e da esquerda intelectual.<\/span><\/p>\n

Para tentar reconquistar o p\u00fablico, alguns autores come\u00e7aram a se afastar da \u201cest\u00e9tica da fome\u201d em favor de um estilo cinematogr\u00e1fico um pouco mais sofisticado tecnicamente e de tem\u00e1ticas que atra\u00edssem o interesse das massas. Tanto que o primeiro filme do Cinema Novo a ser filmado em cores e a retratar personagens da classe m\u00e9dia foi lan\u00e7ado nesse per\u00edodo: <\/span>Garota de Ipanema<\/span><\/i>, de Leon Hirszman (1968).<\/span><\/p>\n

Glauber Rocha, no entanto, permanecia em sua luta por um cinema engajado, tendo lan\u00e7ado em 1967, tamb\u00e9m em Cannes, o longa <\/span>Terra em Transe<\/span><\/i>. O filme fazia uma clara alus\u00e3o \u00e0 situa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica brasileira, sob o regime militar, retratando uma rep\u00fablica fict\u00edcia governada por um tecnocrata conservador, e foi proibido pela censura por ser considerado subversivo.<\/span><\/p>\n

A Terceira Fase do Cinema Novo (1968\u20131972) buscou sua inspira\u00e7\u00e3o no Tropicalismo, um movimento que fazia sucesso no pa\u00eds. Sua est\u00e9tica remetia \u00e0s cores da flora brasileira, com influ\u00eancias da cultura pop e do concretismo, abusando do exagero. A ideia era chocar e romper com a arte \u201cbem comportada\u201d.<\/span><\/p>\n

Por isso mesmo, essa fase foi tamb\u00e9m caracterizada como \u00a0\u201ccanibal-tropicalista\u201d \u2013 um canibalismo que apareceu literalmente no filme <\/span>Como Era Gostoso o Meu Franc\u00eas<\/span><\/i> (1971), de Nelson Pereira dos Santos. A ideia de antropofagia tamb\u00e9m aparece em <\/span>Macuna\u00edma<\/span><\/i> (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, no qual o protagonista acaba sendo \u201cdevorado\u201d pelo sistema, assim como muitos brasileiros eram tragados pelo milagre econ\u00f4mico da ditadura militar.<\/span><\/p>\n

Foi nessa fase, tamb\u00e9m, que a persegui\u00e7\u00e3o do regime militar aos seus opositores se intensificou e Glauber Rocha partiu para o ex\u00edlio, em 1971, de onde nunca retornou totalmente. Ele passou pelos Estados Unidos, Chile, Uruguai, Cuba, Fran\u00e7a e It\u00e1lia, tendo realizado diversos filmes, mesmo longe de sua terra natal \u2013 fonte de inspira\u00e7\u00e3o para tantas obras emblem\u00e1ticas.<\/span><\/p>\n

Como a Terceira Fase do Cinema Novo se deu durante um per\u00edodo de moderniza\u00e7\u00e3o e globaliza\u00e7\u00e3o do Brasil, os filmes produzidos tamb\u00e9m eram mais tecnicamente bem acabados, o que de certa forma contradizia os ideais da Primeira Fase. Essas discuss\u00f5es deram espa\u00e7o para o surgimento do Novo Cinema Novo<\/strong>, tamb\u00e9m conhecido como Udigrudi<\/strong>, que retomava o foco inicial do movimento: personagens marginalizados e problemas sociais, com uma est\u00e9tica mais \u201csuja\u201d, a chamada \u201cest\u00e9tica do lixo\u201d. Nesse movimento de ruptura se destacaram Rog\u00e9rio Sganzerla (<\/span>O Bandido da Luz Vermelha<\/span><\/i>, <\/span>A Mulher de Todos<\/span><\/i>), J\u00falio Bressane (<\/span>Matou a Fam\u00edlia e Foi ao Cinema<\/span><\/i>, <\/span>O Anjo Nasceu<\/span><\/i>) e Ozualdo Candeias (<\/span>A Margem<\/span><\/i>, <\/span>A Heran\u00e7a<\/span><\/i>).<\/span><\/p>\n

Com a cria\u00e7\u00e3o da Embrafilme, em 1969, o cinema nacional passou a produzir uma enorme quantidade de longas-metragens. Alinhados ao regime militar e preocupados com a censura, esses filmes n\u00e3o obedeciam mais \u00e0s ideologias est\u00e9ticas ou filos\u00f3ficas do Cinema Novo. Assim, o movimento se dissolveu nos anos 1970, sendo substitu\u00eddo por produ\u00e7\u00f5es mais comerciais e nacionalistas.<\/span><\/p>\n

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