*Por Katia Kreutz, Foto Yuri Pinheiro<\/p>\n
Mar\u00e7al Aquino nasceu em Amparo, interior de S\u00e3o Paulo, uma cidade hist\u00f3rica do ciclo de caf\u00e9, que foi cen\u00e1rio para muitos filmes e novelas. De certa maneira, teve contato com essa \u201cgente do cinema\u201d desde garoto. Por isso mesmo, nunca quis se meter muito nessa \u00e1rea, embora sempre tenha gostado de assistir filmes.<\/p>\n
\u201cEu sou um contador de hist\u00f3rias\u201d, define o escritor. Tendo crescido em uma fazenda, sem televis\u00e3o, o h\u00e1bito de escrever surgiu porque era comum as pessoas se reunirem para conversar, \u00e0 noite. Ele reparava que as hist\u00f3rias iam mudando, conforme eram contadas v\u00e1rias vezes. \u201cQuem est\u00e1 contando percebe o efeito que as cenas t\u00eam. Uma vizinha n\u00e3o chega para a outra e diz: morreu fulano. Ela come\u00e7a assim: sabe quem morreu? Isso cria uma expectativa narrativa no ouvinte.\u201d<\/p>\n
Originalmente, Mar\u00e7al gostava de desenhar hist\u00f3rias em quadrinhos. Aos 14 anos, come\u00e7ou a se interessar por literatura e descobriu que essa era uma forma de se expressar muito mais completa do que os gibis ou mesmo os filmes, porque a imagina\u00e7\u00e3o do leitor trabalha livre, sem nenhum apoio visual.<\/p>\n
\u201cAli, eu virei escritor. Mas entendi, logo de cara, que isso n\u00e3o \u00e9 profiss\u00e3o no Brasil\u201d, lembra. Como precisava fazer algo que o possibilitasse escrever \u2013 o que, afinal era a coisa que ele mais gostava \u2013 Mar\u00e7al percebeu que o jornalismo seria a escolha mais l\u00f3gica. Trabalhou como rep\u00f3rter, redator, editor. E a experi\u00eancia de escrever para o caderno policial do extinto Jornal da Tarde marcou tamb\u00e9m sua literatura.<\/p>\n
Mas ele refor\u00e7a: seu neg\u00f3cio mesmo \u00e9 escrever livros. Todo o resto, o escritor faz com prazer, porque s\u00e3o coisas ligadas \u00e0 literatura, mas sempre sem grandes pretens\u00f5es. \u201cNa verdade, minha \u00fanica especialidade \u00e9 saber ouvir a conversa alheia, pois eu tenho muita curiosidade pelo outro. Eu s\u00f3 escrevo porque presto aten\u00e7\u00e3o nas outras pessoas\u201d, explica.<\/p>\n
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E como o cinema entrou na vida desse escritor que nunca pensou em ser roteirista? Em 1991, Mar\u00e7al Aquino publicou um livro de contos, \u201cAs Fomes de Setembro\u201d. O cineasta Beto Brant, ainda em sua fase de curtas-metragens, quis transformar um dos contos desse livro num filme. Ele procurou a editora, que n\u00e3o tinha os direitos, e por isso acabou abordando o escritor. \u201cQuando me conheceu, o Beto se surpreendeu com duas coisas: primeiro, que eu n\u00e3o sou o um velho de 80 anos, que ele imaginava que eu era pelos meus escritos; segundo, que eu sabia muito sobre cinema\u201d, conta Mar\u00e7al.<\/p>\n
Os dois come\u00e7aram uma amizade, um di\u00e1logo criativo. O curta n\u00e3o saiu, mas pouco tempo depois Beto quis fazer um longa (\u201cMatadores\u201d) e acabou usando outro conto de Mar\u00e7al como inspira\u00e7\u00e3o. Contudo, os roteiristas contratados para o filme n\u00e3o estavam conseguindo resolver o final da hist\u00f3ria. \u201cEra uma novela que publiquei como conto. A\u00ed contei para o Beto, brincando, o que eu faria, se tivesse levado o livro at\u00e9 o fim. Na hora, ele me chamou pra ajudar nisso.\u201d<\/p>\n
Mar\u00e7al n\u00e3o era um incauto no mundo cinematogr\u00e1fico. Ele teve aulas de roteiro na faculdade de jornalismo, costumava at\u00e9 ler roteiros, s\u00f3 que nunca havia escrito nenhum. \u201cDepois que mexi no \u2018Matadores\u2019, virei o roteirista dos filmes do Beto. Tanto que eu nem tinha interesse em trabalhar com outros diretores\u201d, ressalta. Acabou trabalhando com grandes nomes, como Heitor Dhalia e Marco Ricca, e hoje ganha a vida como roteirista e autor de TV. \u201cMinha vida se transformou depois desse encontro com o Beto, mas foi ele que inventou que eu era roteirista.\u201d<\/p>\n
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\u201cEscrevendo literatura, eu tenho meu m\u00e9todo, desenvolvido desde os 14 anos. \u00c9 minha maneira de trabalhar. Acontece que o roteiro n\u00e3o tem isso\u201d, explica Mar\u00e7al.<\/p>\n
A primeira diferen\u00e7a est\u00e1 no fato de ser um trabalho coletivo, que depende de uma s\u00e9rie de quest\u00f5es e de profissionais. \u201cEu falo que \u00e9 igual suruba: precisa de mais gente pra fazer\u201d, brinca. Para ele, esse processo de estar integrado em uma coletividade \u00e9 fascinante, porque a literatura \u00e9 um trabalho solit\u00e1rio, no qual as decis\u00f5es ficam completamente a cargo do autor. Por outro lado, existe tamb\u00e9m um n\u00edvel de inseguran\u00e7a muito maior.<\/p>\n
Al\u00e9m disso, quando se trata de um roteiro, o que est\u00e1 no papel nunca n\u00e3o \u00e9 a obra final. O fato interessante \u00e9 que Mar\u00e7al foi descobrindo essas particularidades e aperfei\u00e7oando suas t\u00e9cnicas na pr\u00e1tica. \u201cEu ainda \u00a0estou aprendendo a ser roteirista. Estou na televis\u00e3o, escrevo roteiros diariamente, mas acho que sei apenas atender aos desejos de determinado diretor\u201d, afirma.<\/p>\n
Quando ingressou no cinema, Mar\u00e7al conhecia os c\u00f3digos, tanto da linguagem liter\u00e1ria quando da cinematogr\u00e1fica, mas sua maior dificuldade foi entender que nem tudo o que se coloca no roteiro \u00e9 film\u00e1vel. \u201cO que eu quiser colocar na literatura, vai funcionar na cabe\u00e7a do meu leitor. Eu n\u00e3o preciso de nenhum aparato, somente de um leitor com imagina\u00e7\u00e3o.\u201d<\/p>\n
Nesse contexto, escrever um bom roteiro acaba sendo, basicamente, a tarefa de descrever algo, manifestar inten\u00e7\u00f5es e criar di\u00e1logos veross\u00edmeis. Na transi\u00e7\u00e3o para o audiovisual, o que est\u00e1 escrito precisa ter um enorme poder de convencimento, porque ningu\u00e9m l\u00ea roteiros como l\u00ea literatura. \u201cSe eu escrever num roteiro: \u2018Maria sai de casa\u2019, e der para cinco diretores diferentes, cada um vai gravar de um jeito. \u00c9 o diretor que, de fato, imagina o filme.\u201d<\/p>\n
Mar\u00e7al conta que n\u00e3o tem vontade de dirigir um filme e que nunca sequer passou por sua cabe\u00e7a falar para um diretor o que ele deveria fazer com sua hist\u00f3ria. \u201cEu me reservo o direito de n\u00e3o gostar, mas \u00e9 preciso ter esse desprendimento. No cinema n\u00e3o existe a vaidade de dizer: eu sou o autor. Voc\u00ea est\u00e1 a servi\u00e7o de uma coletividade.\u201d<\/p>\n
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<\/a>Cada pessoa l\u00ea um livro de uma maneira. Por isso, uma adapta\u00e7\u00e3o nada mais \u00e9 do que uma leitura de um livro, em outra linguagem \u2013 a audiovisual. Por isso, quando precisa transpor sua obra liter\u00e1ria para o cinema, Mar\u00e7al precisa que o diretor lhe diga que filme est\u00e1 vendo ali.<\/p>\n