Wagner Moura conta sobre sua estreia como diretor em filme sobre Marighella
Wagner Moura esbanja carisma e desperta um certo frenesi por onde passa. O ator chegou cedo na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro (AIC), no último dia 16 e, sem nenhuma cerimônia, sentou-se ao lado do público para assistir ao filme “Cidade Baixa”. Ele não via o longa desde 2005, quando o título foi lançado, por isso quis assistir novamente. Quando começou o bate-papo disse que ficou mexido: “Fiquei muito emocionado de rever ‘Cidade Baixa’, quero que meu filme, sobre o Marighella, tenha essa mesma energia vital”, disse.
Estreia na Direção em filme sobre Marighella
Com mais de 20 filmes no currículo, muitas séries e algumas novelas, Wagner Moura dispensa apresentações. Mas, o que pouca gente sabe, é que o ator se prepara para sua estreia como diretor. Em setembro ele dirige seu primeiro longa, um filme de ficção sobre o guerrilheiro e inimigo número um da ditadura militar, Carlos Marighella, baseado no livro do jornalista Mário Magalhães.
Durante o bate-papo na AIC, que fazia parte da programação da 12ª Semana de Orientação, Wagner falou sobre o filme, que ainda está em fase de pré-produção, sofrendo ajustes finais no roteiro.
Amigo de Maria Marighella, neta do militante comunista, o ator diz que sempre sentiu muito interesse pela história de Marighella. “Tudo começou pela vontade de devolver a história para um personagem tão importante. Sinto imenso interesse por pessoas que lutaram e resistiram à ditatura. Além da grande história, ele também é baiano, como eu, e um personagem instigante que tem um lado que poucos conhecem, ele não era um guerrilheiro clássico como Luiz Carlos Prestes ou Che Guevara, ele era uma figura interessante, poeta, engraçado, tinha muito senso de humor e um lado sedutor”, conta Wagner.
Consciente de que escolheu um tema difícil para sua estreia, quer que o processo de feitura do filme seja de muito aprendizado. Contagiado pelo cinema de José Padilha, Wagner pretende fazer um filme de ação e deseja que o filme seja popular e atinja o maior número de pessoas possível.
Acredita que dirigir, depois de tanto atuar, foi algo orgânico, que aconteceu naturalmente. “Sempre tive curiosidade de saber o que acontece além das cenas vividas pelo ator. Foi por conta dessa curiosidade que aos poucos entendi a função de cada um no SET, acho que a direção surge de forma natural”.
Referências e Influências
Questionado sobre suas maiores referências, Wagner traz à tona uma dezena de nomes do cinema nacional e destaca algumas parcerias. “Tenho muitas, mas acho que as mais fortes e presentes são o meu amigo e irmão Lázaro Ramos, o Zé Padilha, pelas suas escolhas estéticas e políticas e o diretor Karin Aïnouz, todos eles grandes profissionais com quem aprendo sempre”, elogiou o ator ao contar que mandou o roteiro do filme para os dois diretores.
“Se tem uma coisa que eu gostaria é conseguir dirigir o meu filme com o que eu aprendi com cada um deles”. E brincou, “Imagina conseguir juntar a sensibilidade e a poesia dos filmes do Karin com o cinema político de ação do Padilha? Nossa, eu seria o diretor mais foda do mundo”, falou arrancando risos da plateia.
Aproveitando os risos, emendou mais uma piada entre ele e o amigo, o diretor José Padilha: “Quando perguntei para o Zé se ele achava que eu teria capacidade para dirigir ele me respondeu: cara, tendo um bom roteiro, bons atores e uma boa equipe, qualquer um dirige um filme”.
Todo personagem é desafiador
Wagner falou sobre sua carreira e atrela sua ascensão no cinema à sorte, já que veio para o Rio em um momento de retomada do cinema nacional. “Viemos eu, Lázaro (Ramos) e Vladimir (Brichta) da Bahia, no final da década de 1990 e estávamos em cartaz com a peça ‘Máquina’ e o cinema estava buscando rostos diferentes dos que estavam na televisão. Buscando uma identidade”, conta.
O ator contou que aprendeu muito em um dos seus primeiros filmes, “Em ‘Deus é Brasileiro’ recebi muitas dicas e aprendi muito com os câmeras, que me ensinavam a atuar no SET, representar para a câmera e sair da forma do teatro”.
Sobre preparação de atores, Wagner acha que toda ajuda é sempre bem-vinda, seja da equipe, do diretor ou de um preparador de elenco. “Nós atores temos o péssimo hábito de culpar o diretor quando o nosso trabalho não fica bem feito. A gente tem a obrigação de criar, de fazer bem o nosso trabalho, de dar o melhor de si, sempre, independente da preparação ou da direção”.
Qual o personagem mais desafiador que já fez? Ele é enfático ao dizer: TODOS. “Tudo que eu faço eu acho que é a coisa mais difícil da minha vida e me empenho muito para me superar. Artista tem que ter coragem, não pode se esconder”.
Wagner fala ainda que para cada personagem existe um processo de pesquisa, de estudo, de criação etc. Para viver Pablo Escobar em “Narcos” ele se mudou para a Colômbia cinco meses antes de começarem as gravações e estudou espanhol além de muita história do país. Já em “Tropa de Elite” foi um processo de muito improviso onde muitas cenas foram criadas na hora.
“O instrumento do ator é o próprio corpo. O nosso trabalho acontece no nosso corpo e o grande lance é que o corpo tem memória. O corpo não sabe que você está interpretando. Você faz uma cena forte e depois vai tomar um copo de água e percebe que sua mão está tremendo. Você dá informação para o seu corpo e ele não sabe que tudo aquilo é mentira. Então aquilo tudo fica em você. Por isso os personagens afetam sim, e muito, a vida do ator”, conta Wagner.
Diferenças entre atuação para Teatro, TV e Cinema
Ainda sobre atuação, Wagner fala um pouco sobre as diferenças entre atuar em teatro, televisão e cinema: “O teatro é uma labuta diária, é todo dia fazendo todas as cenas com veracidade. A TV é ágil, não dá tempo para o ator errar. Ainda mais agora que a TV Globo aumentou muito a qualidade do que produz, que ela se deu conta de que precisa produzir para concorrer com os canais pagos, com o Netflix. Já o cinema a gente tem um pouco mais de tempo. O cinema é um grande processo. ”
Wagner finalizou contando um pouco sobre as diferenças de atuar aqui no Brasil e fora do país, sobre seu engajamento político e o compromisso do artista com a sua arte. Deixou o estúdio da AIC só por conta do horário que teimava em avançar no relógio, pois, se dependesse dos participantes e de suas perguntas afiadas, ficaríamos ali o resto da noite aprendendo com os ensinamentos do grande ator e curtindo suas histórias.
*Crédito fotos: Ricardo Aleixo