Academia Internacional de Cinema (AIC)

Trilha sonora: como o cinema pode ajudar a viver de música

Se você estudou música, certamente já conhece as diversas possibilidades de carreira que essa profissão oferece. Mas talvez não tenha considerado uma delas, que é trabalhar com trilha sonora no cinema ou audiovisual. Esse trabalho não abrange apenas a parte musical, mas todo o conteúdo sonoro que tem função narrativa, ou seja, que ajuda a contar uma história.

Então quer dizer que é possível viver de música, mas fazendo filmes? Sim, porque a área de som no audiovisual é uma das que mais demanda por profissionais especializados, especialmente no Brasil. Esse é um dos motivos pelos quais a Academia Internacional de Cinema desenvolveu o curso de trilha sonora.

Não é obrigatório ser músico para trabalhar com trilha sonora, mas a sensibilidade para sons pode ser um primeiro passo para ingressar nessa área tão interessante da produção cinematográfica. Continue lendo para entender um pouco melhor que funções no set estão envolvidas no trabalho com som e quais os conhecimentos necessários para exercer essa profissão.

 

O curso de trilha sonora

Imagine a experiência de conhecer um novo e fascinante universo da linguagem audiovisual, fazendo exercícios que desenvolvam a narrativa sonora de um filme. Essa é a proposta do curso de trilha sonora da AIC. A cada aula, os alunos trabalham em um projeto que ajuda a ampliar seu repertório, para que eles compreendam como a trilha sonora contribui em termos dramatúrgicos dentro de uma cena. “Em uma das aulas, por exemplo, o projeto é criar toda a história que acontece fora do quadro e que naquela cena é mais importante do que o que vemos. Algo acontece, mas vemos apenas a reação do personagem. Os alunos constroem essa narrativa”, conta o coordenador pedagógico Martin Eikmeier.

O programa do curso tem ainda um projeto final, que contempla o acabamento sonoro de uma cena. Esse projeto é trabalhado pelos alunos e pelo professor durante várias aulas, até chegar em sua versão definitiva. “Os alunos recebem um feedback e podem refazer seus projetos a partir dessa devolutiva. A repetição é algo muito importante, em qualquer área criativa. Você somente aprimora sua habilidade em relação a algo se pode repetir o que fez”, ressalta Martin.

 

O que exatamente faz um profissional de trilha sonora?

“A trilha sonora abrange muito mais do que apenas a música do filme. Ela é toda a banda sonora”, explica o coordenador pedagógico da AIC. “Do ponto de vista concreto, material, estamos falando das palavras do filme, as falas dos personagens (que também têm um trabalho de edição), a música propriamente dita e também todos os efeitos sonoros, ou seja, os sons que não são nem musicais, nem verbais.”

De acordo com Martin, o principal elemento do curso é pensar som e música do ponto de vista da dramaturgia. Ou seja, entender como eles contribuem para contar uma história e como podem até mesmo ser protagonistas no discurso. “Há momentos em que toda a cena está vindo da música. Por exemplo, no filme Tubarão (1975), de Steven Spielberg, há cenas em que pouca informação vem da imagem, da palavra ou da direção de arte. É a música que está anunciando tudo: a presença e o caráter do personagem (no caso, o tubarão), sua ação de se deslocar, por meio da aceleração do ritmo melódico na música. É o som que dá a entender que ele está se aproximando da sua vítima, já que a imagem está parada. A ação está toda na trilha musical e na imaginação do espectador”, observa Martin.

Outro exemplo citado pelo coordenador é o longa-metragem A Bruxa (2016), dirigido por Robert Eggers. “No filme, a voz do personagem é trabalhada para criar uma ideia sobre ele, de uma masculinidade exacerbada. O que aparece na cena não é a voz realista do ator. Ela é editada para soar daquele jeito, para que o público configure o caráter daquele personagem. Parte desse caráter é veiculado por suas ações, sua visão de mundo, como ele se comporta, mas a voz tem uma contribuição enorme em como o personagem é ‘lido’ pelo espectador”, destaca.

Além de inúmeros profissionais estrangeiros de renome que atuam nessa área, muitos deles que migraram da música para o cinema, Martin também cita referências brasileiras de excelentes trabalhos com trilha sonora, como os cineastas Marco Dutra e Juliana Rojas. “Eles dão muita atenção ao trabalho com som em seus filmes, de forma narrativa. Não significa que você vai ouvir um monte de explosões, mas a trilha sonora é bem pensada. Há muitas cenas em que o desenho de som tem protagonismo no que o espectador recebe em termos de história.”

 

Mais do que atmosfera

Segundo Martin, é muito comum, no cinema, que música e som “desenhem” histórias que estão fora do enquadramento, que a imagem não mostra. “O quadro é sempre limitado, ele restringe a visão e emoldura uma imagem. A música e o som criam discursos que transcendem a moldura do plano”, ressalta. O curso de trilha sonora mostra justamente como fazer isso: pensar muito além de conceitos como atmosfera e clima.

Na verdade, esses elementos sonoros muitas vezes geram conteúdos extremamente concretos, objetivos, como a construção de um personagem na cena. “Música e som me mostram como devo pensar esse personagem. É um raciocínio cujo vocabulário vem mais da dramaturgia do que da música”, afirma o coordenador. O desafio está justamente em traduzir esse raciocínio e esse vocabulário, que são típicos da linguagem audiovisual e dramatúrgica, para desenvolver o processo criativo por meio da música e do som. “A ideia é que o seu ponto de partida não seja nem a música, nem o som, mas a história que está sendo contada.”

 

Aprendendo a ouvir

Nesse sentido, ter um background musical pode não apenas ajudar nos exercícios, como se tornar um diferencial no mercado de trabalho, já que a sensibilidade sonora é uma habilidade que fornece ferramentas para o trabalho com trilha sonora audiovisual – seja para o cinema, a TV ou a internet. Ela torna um profissional de música ainda mais completo. Além disso, caso a pessoa tenha o sonho de trabalhar na composição de trilha musical para filmes, esse também é um ótimo caminho pelo qual começar. O curso abre novas possibilidades de carreira a músicos que gostam de cinema, já que expande seu leque de atuação. O conteúdo aborda não somente o aspecto da criação sonora, do design sonoro, como o sentido de pensar o conjunto.

Contudo, não é preciso necessariamente possuir conhecimentos musicais para ingressar no estudo do tema. O mais importante é ter interesse pela área, principalmente para aqueles que buscam uma alternativa de carreira. “Muitos de meus alunos não são músicos. No cinema, existe a função do diretor musical, um profissional que não compõe nada, mas que escolhe as músicas que irão funcionar em determinada cena, para traduzir os elementos da dramaturgia dentro daquele contexto”, comenta Martin.

O curso é válido também para diretores que desejem se aprofundar no universo da trilha sonora, o que pode ajudá-los a pensar em seus projetos de forma mais aberta a uma linguagem na qual a música e o som tenham algum protagonismo. “Um compositor se beneficia disso porque já trabalha diretamente com a área. Mas um diretor vai poder organizar sua cena e conversar com os músicos ou os técnicos de som de sua equipe. Ele vai ter mais vocabulário para fazer esse movimento”, salienta o coordenador. “Também tenho muitos alunos roteiristas, que querem entender como pensar a trilha sonora nas cenas. O público é muito diversificado.”

 

Áreas de atuação

O profissional de trilha sonora pode trabalhar em inúmeras áreas do processo de produção audiovisual. “Podemos citar o trabalho de um editor de diálogo, de um compositor, de um artista de foley (que faz todas as dublagens de ruídos) e do mixador (que junta tudo isso na mixagem de som)”, detalha Martin.

No caso do artista de foley, em geral ele é responsável por refazer, em estúdio, os ruídos que compõem uma cena. “Existe uma lógica para isso, que nem sempre contempla uma expectativa realista que a cena naturalmente traria; muitas vezes, é o contrário. O som deve trabalhar mais a favor da narrativa do que de um realismo objetivo e neutro”, explica o coordenador pedagógico. “O cinema quase nunca é objetivo no que diz respeito ao som. No filme THX 1138 (1971), de George Lucas, as pessoas vivem em uma condição de isolamento, em um mundo distópico. Então, no som ambiente, as vozes humanas, a presença de vida, está sempre longe do personagem, nunca é ouvida de perto. Passamos a ler esse personagem como uma pessoa isolada de vida. É um som ambiente que tem uma função não apenas descritiva, como narrativa”, exemplifica.

Já para aqueles que têm o objetivo profissional de compor trilha musical para filmes, o curso pode ajudar a entender por onde começar. “Que música devo colocar em cada cena, e por quê? Do que a cena precisa? Que história ela está contando? Esses são questionamentos válidos, porque talvez a maior dificuldade, para um músico, não seja necessariamente a composição em si, mas decidir qual música deve compor”, descreve Martin. Afinal, o processo criativo para esse tipo de criação musical começa pela história, com questões como: quem é o personagem? Qual o gênero do filme? Qual é seu arco narrativo? O que está acontecendo? Onde a música entra e em que momento ela volta? “Todas essas decisões são anteriores à composição musical. Elas têm a ver com a compreensão dos elementos que compõem a narrativa de um filme.”

 

Cinema 360

Além de abrir uma nova possibilidade de carreira, o curso de trilha sonora da Academia Internacional de Cinema oferece a chance, para os moradores da região Sul e dos estados de Minas Gerias e Espírito Santo, de que o aluno possa aprender de maneira totalmente gratuita – graças ao projeto Cinema 360. Trata-se de uma parceria entre a AIC e a Ancine, que está selecionando estudantes para bolsas de estudos em cursos de cinema online, por tempo limitado.

Serão 360 vagas gratuitas, ao longo de 360 dias. O projeto abrange sete cursos em diferentes áreas do cinema, de modo que o conhecimento seja levado às pessoas que realmente precisam dele. Os 360 graus representam algo abrangente, um verdadeiro giro pelo território brasileiro, disseminando o saber audiovisual por todo o país.

A participação no projeto é limitada a pessoas com idade acima de 17 anos e que tenham renda abaixo de cinco salários mínimos. O processo seletivo é baseado em uma carta de intenção. O projeto Cinema 360 foi dividido em uma etapa por região, para torná-lo dinâmico e dar a mesma oportunidade a todas as regiões. As inscrições e também o curso são realizados online.

Inscreva-se

Texto e pesquisa: Katia Kreutz

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