Texto Estefania Lima
Foto Rafael Peixoto
A protagonista do premiado filme “Regra 34”(2023), Sol Miranda, foi a convidada do penúltimo dia da 17ª Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema (AIC). No bate-papo, conduzido por Vanessa Prieto, coordenadora acadêmica da AIC, a atriz contou sobre o processo de seleção e preparação para o longa-metragem dirigido por Julia Murat.
Sol iniciou sua fala contando sobre sua trajetória como artista. Formada pela Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena, no Rio de Janeiro, a atriz é também educadora, produtora cultural, assistente de direção, dramaturga e cofundadora da Cia. Emu de Teatro. Um acúmulo de funções resultantes não de uma escolha da atriz, mas da realidade de se viver como artista no Brasil. “O trabalho nos bastidores foi uma forma de me viabilizar financeiramente, além de poder cuidar das minhas próprias narrativas.”, revelou.
Logo depois, os alunos, que a convite da produção do filme, tiveram a oportunidade de assistir ao “Regra 34” no Espaço Itaú de Cinema – Augusta, tiveram a chance de perguntar à atriz sobre a preparação necessária para interpretar a personagem. No filme, “Simone”, primeiro papel de Sol no cinema, é uma estudante de direito penal que defende os direitos das mulheres de dia e à noite se apresenta em frente a uma câmera de sexo ao vivo.
Sol contou que, em um primeiro momento, o roteiro a assustou, mas que, assim que começaram as gravações, encontrou as emoções certas para emprestar a personagem. Para isso, foi necessário criar intimidade e confiança com o elenco, além de uma série de aulas – do direito a massagem tântrica e BDSM – que a preparam para viver o universo proposto pelo longa:“Acho importante que nós, atores e atrizes, saibamos encontrar as condições certas para permitirmos que a personagem seja maior do que a gente, mas que esse maior não se sobreponha à nossa sanidade mental e física”, afirmou.
A atriz destacou também a abertura da diretora Julia Murat para que o elenco pudesse contribuir com o roteiro. Sol contou que a cena em que apenas alunos negros se encontram após um trabalho na defensoria, e falam sobre a teorica da filosofia africana Aza Njeri, foi uma sugestão dela. “Qualquer grupo identitário em algum momento se junta para falar sobre suas questões”, comenta Sol, lembrando inclusive que, embora o elenco não tenha aceitado, a diretora chegou a oferecer a assinatura do roteiro aos atores.
Sobre a escolha para o papel, Sol relata que desde o começo sentiu que a personagem era sua. Convidada para o teste pelo produtor de elenco Gabriel Bertolini, a atriz foi escolhida para viver Simone, porque Julia Murat reconheceu em Sol um traço fundamental da personagem, “um quê de inacessibilidade”. Ainda assim, a escolha foi permeada por percalços e, em um primeiro momento, Sol recebeu um não. O papel havia sido pensado para uma mulher branca, e houve receio dos produtores de fazerem a associação entre uma mulher negra, que já sofre com o estereótipo de agressividade, com um fetiche de violência.
O protagonismo de Sol no cinema como mulher negra e bissexual também foi tema das perguntas dos alunos. Questionada sobre as oportunidades para artistas negros no audiovisual brasileiro, Sol destacou que apesar da melhora no cenário de oportunidades, isso não necessariamente se traduz em uma conquista permanente. “Em vários momentos da nossa construção social nós só pintamos a parede. Precisamos nos dar a chance de colocar a casa abaixo, para construirmos em terreno sólido.”, comentou.
A atriz afirmou também que só acredita em equidade de oportunidades, e na transformação perene do país, a partir da implementação e manutenção de políticas públicas. Sol, que nasceu na periferia do Rio de Janeiro, foi forjada por elas: “eu acessei a universidade pública por meio das cotas, fiz teatro na Martins Pena, fui contemplada em um edital voltado para pessoas negras, eu não estaria aqui se não fossem as políticas públicas.”, relatou.
Por fim, a atriz agradeceu a oportunidade de estar na AIC, um espaço de formação tão importante para o cinema nacional, e lembrou sobre a importância de reconhecer o cinema como uma produção coletiva. “Nós atores temos mais visibilidade, é preciso cuidar com esse impulso ao ego. Simone foi uma construção coletiva. Obrigada pelo espaço de escuta e pelas provocações. Foi um prazer”, finalizou.