Academia Internacional de Cinema (AIC)

São Silvestre, o novo documentário da professora Lina Chamie

Fernando Alves Pinto_documentário São Silvestre_Lina Chamie
Largada da São Silvestre. O novo documentário da professora Lina Chamie conta a história do corredor comum.
Mar de gente na largada da São Silvestre. O novo documentário da professora Lina Chamie conta a história do corredor comum.

Só quem já correu uma maratona conhece as sensações sentidas durante uma prova. O aumento da circulação sanguínea, a respiração acelerada, a adrenalina que parece percorrer todo o corpo, a fadiga muscular, as dores, as tensões e ao mesmo tempo, o prazer, a sensação de liberdade, a superação.

“São Silvestre”, o novo documentário da cineasta e professora – da Academia Internacional de Cinema (AIC) – Lina Chamie, que estreia no próximo dia 27 nos cinemas, constrói de maneira sensorial a experiência de correr a mais famosa corrida de rua do Brasil, realizada anualmente em São Paulo, no dia 31 de dezembro. “O filme explora a natureza do cinema, os aspectos fundamentais do cinema, a relação da imagem e do som. O filme não é falado. Não tem texto. Não tem entrevista. É um filme todo sentido. A ideia é que o contato com a cidade se dê de forma direta, bem como o contato da própria experiência com a corrida. O filme traz a possibilidade de correr com o corredor. É isso que é explorado. A câmera reproduz o olhar do corredor, o ponto de vista dele, olha de dentro pra fora. É como se a gente também corresse com o corredor”, revela Lina, em entrevista para a Comunicação da AIC.

Mais do que um recorte sobre a realidade, o filme traz o “corpo-a-corpo” entre o homem e a cidade.

Mais do que um recorte sobre a realidade, o filme traz o “corpo-a-corpo” entre o homem e a cidade. Correndo com os corredores, mas olhando para os lados, atenta à paisagem concreta de São Paulo, a câmera de “São Silvestre” consegue traduzir na base do som e da poesia muda das imagens, o que significa percorrer os 15 quilômetros que separam os homens e as mulheres do grande clímax que é a chegada.

Ao todo são 17 câmeras distribuídas nos lugares mais improváveis e inusitados, nas cabeças, nos braços e pernas dos atletas, além de uma série de traquitanas inventadas para deslizar sobre o tema com a máxima delicadeza.

Cena do filme, captada por uma das 17 câmeras espalhadas pela corrida. Algumas em lugares inusitados, como a cabeça dos corredores.

O documentário, lançado às vésperas da 89ª edição da corrida, é um filme distribuído pela Pandora Filmes, produzido pela BossaNovaFilms e Girafa Filmes, e tem como coprodutora a Teleimage. O filme teve sua estreia na Mostra Internacional de São Paulo e está em Havana, na 35ª edição do Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano.

PRÉ ESTREIA

PROGRAMAÇÃO 27 DE DEZEMBRO NOS CINEMAS:

 

Conheça um pouco mais sobre o documentário, a cineasta, a produção, a montagem e, como nós, aqui da AIC, fique louco de vontade de assistir ao filme.

Uma Conversa com Lina Chamie

AIC – Como é fazer um filme sensorial? Como é possível passar as sensações e emoções da corrida para a tela de cinema?

Lina em ação com uma das tantas traquitanas que foram inventadas e usadas para fazer o filme.

Lina Chamie: O que é explorado do filme é a própria natureza do cinema, a ideia da imagem e do som. O filme traz a possibilidade de correr com o corredor. A câmera reproduz o olhar do corredor, o ponto de vista dele. Esse é o elemento forte no filme, a intenção de reproduzir a sensação do corredor. Pra conseguir passar essa sensação o som é muito importante. O filme tem dois sons que são recorrentes e estão, de certa forma, presentes durante todo o filme: os passos e as batidas cardíacas, que juntos foram um som quase mântrico no filme. Outra som importante é a respiração humana. São todos sons muito básicos e ao mesmo tempo muito humanos e talvez até interiorizados, no sentido da representação da sensação do som. Esse é o caminho que o filme abraça. A proximidade, o olhar próximo e as vezes até emocional de certos lugares da cidade. Os sons também significam lembranças, trazem informação sobre os lugares, quase como que no registro da identidade dos lugares. E também tem a música que em alguns momentos está ali.

AIC – Que relação você tem com a Corrida de São Silvestre?

L.C.: A razão de eu ter feito o filme é completamente afetiva e pessoal, embora a São Silvestre seja um evento que está no imaginário coletivo e que existe na nossa vida desde criança. Ela é um ícone mesmo para quem nunca correu nela. Mas eu morava ao lado do edifício da Gazeta, na linha de chegada. Ou seja, eu estava no meio do furacão. Viajo pouco, sempre passo o Ano Novo por aqui, sou superpaulistana. Quando a corrida passou para a tarde (o que é uma pena, pois quando era à meia-noite representava concretamente a passagem do ano novo), eu deixava a TV ligada, sem som, e ficava ouvindo os sons da corrida no lado de fora. Na virada de 2008 para 2009, resolvi descer para assistir tudo ao vivo. Fiquei umas duas horas vendo as pessoas chegarem, e é sempre um momento muito emocionante, uma catarse. Ou a pessoa chega em estado de graça ou chega desgraçada, ou chega chorando de emoção ou chorando de dor. É um instante tão cheio de humanidade, tão belo. Fiquei muito comovida. Eu estava tão perto. Foi aí que caiu a ficha cartesiana: ninguém nunca tinha filmado a São Silvestre!

AIC – Você usou 17 câmeras para registrar todo o evento, certo? Conte um pouco sobre isso…

“A imagem toda está captada como em um documentário. Eu sabia que queria captar a sensação do corredor. E que precisava construir isso depois, na montagem”, conta Lina.

L.C.: As 17 câmeras estavam espalhadas. Uma na largada, outra no centro de São Paulo, a terceira em cima do Palco da Virada, fazendo o enquadramento da largada, documentando a própria pista e as pessoas se preparando na avenida Paulista. O resto das câmeras está correndo, de diferentes maneiras: uma, por exemplo, está no rosto do Fernando Alves Pinto. Há também um operador em cima de um segway, aqueles veículos de duas rodas, com uma steadicam. Ele controla o aparelho com o joelho, e assim a câmera quase flutua no meio dos corredores. As outras são câmeras distribuídas em diversos pontos, até na canela de um corredor. Era como um estilhaçar de busca de imagens de dentro da corrida. E tudo em take único!

AIC – Como captar esse take único, que acontece em apenas um dia?Ou seja, não existe a possibilidade de errar. Você sabia exatamente o que queria captar com cada uma das 17 câmeras? Como é essa relação de registrar um grande evento, sem saber ao certo o que vai acontecer?

L.C.: A imagem toda está captada como em um documentário. Eu sabia que queria captar a sensação do corredor. E que precisava construir isso depois, na montagem. Para isso tinha que me preparar, com uma logística bem elaborada. Tudo foi filmado em 3 diárias, contamos com uma mega produção. Na primeira diária temos o treino do corredor e imagens da cidade, de um jeito totalmente diferente do dia da corrida. Na segunda diária o trajeto todo registrado em um dia normal da cidade, com caos e trânsito. E a terceira diária é o nosso take único, a corrida em si, registrada por 17 pontos de vista diferentes.

AIC – E o Fernando? Ele é ator mas não interpretou no filme, certo? Conte um pouco sobre essa relação do Fernando, que é um ator experiente, mas no documentário é ele mesmo, apenas correndo

Fernando Alves Pinto se aquecendo, já com sua câmera acoplada.

L.C.: Fernando é meu irmão e eu não filmo sem ele. Um dia fomos ao cinema juntos e eu propus: “Vamos fazer o S. Silvestre juntos? Você corre e eu filmo”. E ele, inadvertidamente, respondeu: “Vamos nessa!”. Ele não tinha a menor ideia do que seria correr a São Silvestre. Ele treinou por seis meses e durante o ano ficamos testando uma câmera que captaria a geografia do rosto de um corredor. Achava muito bom que fosse um ator, porque ele seria um peixe fora d’água, sem o exercício da ficção. O Fernando não interpreta – ele vive uma situação, enquanto a câmera está lá registrando esta profunda vivência de um momento. O filme registra a chegada da elite, dos corredores vencedores, mas, o foco mesmo, o que eu queria contar é a história dos caras comuns, não do atleta profissional. O Nando representa um pouco o corredor comum.

AIC – E a chuva? No dia da corrida choveu o dia todo, né? Como é lidar com os intemperes do tempo no cinema?

L.C.: A chuva foi o acaso. No começo apavorou um pouco, por conta das câmeras na chuva. Choveu durante a corrida toda e na chegada caiu uma grande tempestade. Tivemos que embrulhar todas as câmeras. Por outro lado, a chuva no cinema (de modo geral) é um elemento mágico e poderoso. A chuva traz força e dramaticidade para as cenas, o que é uma tremenda sorte. Foi um elemento do acaso muito legal. O máximo que podemos fazer é estar preparados, aceitar e tentar captar o que o acaso revela.

AIC – Como foi a montagem de todo esse material?

L.C.: Ao contrário do que poderia parecer, não foi nada caótico, pois usamos o trajeto como mapa das câmeras alinhadas. De forma que o percurso, que é o deus do corredor, também foi o nosso deus-guia na montagem. O som é muito importante no filme. Ele é absolutamente sonoro, só pode ser visto numa boa sala de cinema. O som é parte da narrativa. Foi um processo criativo incrível, pois é o som que amarra o filme. O filme foi captado como um documentário mas montado como uma ficção.

Assista ao Trailer:

*Fotos Frame do filme e making of de Edu Tarran

 

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