Quero trabalhar com Dublagem
O mercado da dublagem está bastante aquecido atualmente devido ao número de obras sendo produzidas para diversos serviços de streaming, exigindo que novas vozes sejam inseridas nos estúdios. O streaming permite que o público tenha acesso a outras histórias em idiomas além do Inglês, aumentando o volume de produções que precisam passar pelo processo de dublagem. Isso sem falar nos games. Ser um dublador ou uma dubladora, hoje mais do que nunca, é uma escolha que vai ao encontro de uma demanda crescente da indústria do entretenimento.
Para se aprofundar na profissão, é preciso entender um pouco de como o som chegou ao cinema. A cena é icônica: Cosmo Brown, interpretado por Donald O’Connor, tem a ideia de dublar a atriz de um filme (Lina Lamont, interpretada por Jean Hagen) com a voz de uma outra atriz (Kathy Selden, vivida por Debbie Reynolds). Em Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952), acompanhamos esse momento em que os envolvidos na produção de um um longa-metragem descobrem que podem utilizar outras vozes para substituir as vozes dos atores filmados nos sets. Sob diferentes ângulos, esse momento crucial para o cinema como conhecemos hoje ganhou contornos de ficção também nos filmes O Artista (The Artist, 2011) e Babilônia (Babylon, 2022).
Antes da dublagem e da legendagem serem consideradas solução para a exportação de filmes para públicos estrangeiros, os estúdios desenvolveram produções multilíngues. Nelas, um mesmo filme era rodado simultaneamente em outros idiomas, algumas vezes ao mesmo tempo e com um mesmo diretor. Essa abordagem inflou os orçamentos e o método foi usado apenas por um breve período, entre 1929 e 1933.
Uma opção às legendas, a dublagem traz para filmes estrangeiros vozes no idioma do país de exibição, sendo mais ou menos popular de acordo com a cultura local. No Brasil, um dos primeiros filmes a serem dublados foi Branca de Neve e os Sete Anões, em 1938 – 11 anos depois do lançamento do primeiro filme que marca o nascimento do cinema sonoro: O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, 1927). Já o primeiro filme que permitiu gravar outras vozes em estúdio para substituir as originais captadas no set foi The Flyer (1930), resolvendo o problema para os donos dos estúdios.
A era do cinema falado mudou os filmes e a forma como eles eram produzidos. Mudou também a forma como eles seriam distribuídos, pois a dublagem seria uma nova etapa que deveria entrar na lógica de produção de cada um deles. Anterior a isso, bastava que as cartelas com os diálogos dos filmes fossem trocadas de acordo com o idioma do país onde eles seriam exibidos.
O Brasil, ao lado de França, Espanha, Itália e Alemanha, é reconhecido pelo mercado por ter uma das melhores dublagens do mundo devido ao tempo que esses países vêm aprimorando a técnica e o quanto os filmes dublados são difundidos no mercado interno. Já países que possuem o inglês como segunda língua acabam preferindo as legendas.
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O QUE FAZ UM DUBLADOR?
Primeiro, é preciso diferenciar rapidamente a dublagem de outro formato, para fins de entendimento: o voice over. Esta técnica grava a voz de um narrador por cima do áudio original e é muitas vezes utilizada em matérias jornalísticas internacionais ou documentários para televisão, por exemplo. O voice over se diferencia tanto no conteúdo final para o qual a dublagem se destina, quanto na técnica, uma vez que a dublagem envolve uma mixagem de som mais detalhada já que os estúdios recebem o projeto com cada faixa de áudio separada no software de edição, sendo assim possível substituir apenas a voz do ator sem alterar a trilha e efeitos sonoros.
Retomando: Seja pelo aspecto cultural ou gosto pessoal, a opção por ver um filme com o idioma original ou dublado vai ser sempre atendida pelo trabalho de atores. Isto porque para ser um dublador, a pessoa deve ter formação profissional e o registro de trabalho, conhecido como DRT (registro profissional emitido pela Delegacia Regional de Trabalho). Todas as dublagens consumidas em séries, filmes e games são trabalhos de atores que participam do processo de produção de uma obra.
Os dubladores entram no projeto em versões mais avançadas da edição, quando o filme já tem uma cara mais definida e está se encaminhando para a versão que será lançada nos cinemas. Mas, dependendo do diretor, isso pode mudar. Michael Bay, diretor da franquia Transformers, por exemplo, pede que os diretores de dublagem, responsáveis pela supervisão de toda etapa, comecem a trabalhar já nas primeiras versões de seus filmes.
O roteiro utilizado pelo dublador é adaptado por um tradutor capacitado para a tradução direcionada a dublagem, o que garante que as falas já sejam pensadas a partir do sincronismo labial, tendo o conteúdo original como referência. A adaptação é algo inerente a tradução, seja ela feita para dublagem ou para legendagem. A diferença é que, para a dublagem, o texto deve ser editado considerando a sincronia e os contextos culturais de cada país. Já a legendagem, apesar de permitir uma tradução mais literal, precisa se ater a uma média de palavras que uma pessoa consegue ler antes que novas legendas apareçam.
Uma das características principais do trabalho de dublagem é aproximar o contexto cultural da obra para o país estrangeiro em que está sendo exibido. Isso pode acontecer desde referências a nomes de lugares, a também expressões populares. Muitas vezes não é sobre a precisão da tradução de uma determinada fala, mas sim sobre a percepção de determinado elemento a partir das referências culturais locais.
Esse trabalho é feito tanto de forma prévia, durante a tradução do filme, como também pode surgir dentro do estúdio por sugestão do ator. O profissional também pode sugerir, dependendo do contexto, variações de uma fala para que ela fique melhor com relação ao movimento da boca do ator que vemos em cena. A duração da fala e a velocidade com que é dita também podem influenciar adaptações feitas na hora da gravação.
Um dos elementos principais para um filme funcionar é a imersão que ele proporciona na história. Ao contrário do teatro, não vemos os elementos que permitiram que ele fosse feito, como a câmera e o microfone, por exemplo. O dublador faz parte desta tarefa e precisa que seu trabalho seja impercetível, como nas outras funções. Se tudo estiver acontecendo de forma harmoniosa na tela, o que vai predominar é a história e não a capacidade técnica de um determinado profissional.
RESPONSABILIDADES DE UM DUBLADOR
Para os estúdios, o mais econômico seria, sem dúvidas, apenas legendar um filme. Além de exigir mais tempo, a dublagem também é cerca de dez vezes mais cara, uma vez que exige a contratação de diversos profissionais especializados. Mas além da predileção de parte dos espectadores, entra aí outro motivo essencial para a dublagem existir e ser amplamente difundida: a acessibilidade de pessoas com deficiência visual.
Por este motivo, também é de extrema importância a seleção de elenco para um personagem que irá ficar anos em uma série ou franquia de filmes, por exemplo. Caso fosse necessário alterar o dublador ou dubladora entre uma temporada e outra, isso poderia afetar negativamente a experiência de quem assiste e depende das vozes para acompanhar o conteúdo.
Outro papel social da dublagem é permitir o acesso à cultura por parte da população analfabeta. No Brasil, segundo o IBGE de 2019, 11 milhões de brasileiros não sabem ler. A dublagem ajuda a garantir que essa população tenha acesso ao entretenimento, trabalhando a inclusão e também o repertório cultural de grande parcela da população.
DIFICULDADES E DESAFIOS
Um bom aquecimento vocal e disciplina são essenciais para que o ator realize um bom trabalho por anos seguidos, preservando sua saúde e oferecendo uma gama de variações que seu alcance vocal permite. A quantidade de horas dedicadas a uma variedade de projetos deve levar esse fator em consideração, assim como os limites físicos de todo aparelho vocal para que o dublador não o prejudique.
Um desafio grande também envolve o profissionalismo do ator fora do estúdio. Uma vez tendo acesso à obras antes de seu lançamento, a pessoa deve manter o sigilo requerido em contrato e não falar sobre o roteiro antes da data liberada. Isso pode prejudicar futuros trabalhos, uma vez que ela pode ser vista como alguém não confiável pelos estúdios e deixar de ser chamada para trabalhos.
Como afirmado no início do texto, esse é um ótimo momento para a dublagem e, embora talento possa ajudar alguém que está começando a entrar no mercado, são profissionalismo e técnica afinada que vão manter o profissional trabalhando. Pontualidade, cordialidade e preparo são elementos-chave para essa e qualquer função.
COMO É O DIA A DIA DE UM DUBLADOR?
A seleção de um ator para um papel é trabalho do diretor de dublagem, que irá seguir as especificações enviadas pelo estúdio. A partir daí é realizada uma seleção de elenco, processo semelhante ao que aconteceu no início da produção, quando o elenco original foi escolhido. A seleção será apresentada à produtora da obra original e, se aprovada, receberá o sinal verde para as gravações iniciarem. Em média, a gravação da dublagem para um longa-metragem dura um mês, considerando uma obra que tenha entre 100 e 120 minutos de duração.
Entre trabalhos, o dublador pode se manter ativo adotando uma rotina de exercícios vocais, consumindo produtos dublados atento ao processo (quem sabe até analisando as dublagens de outros países) e também estudando outros idiomas, o que pode trazer maior familiaridade com os movimentos labiais típicos daquela língua. Ter um bom sample da sua voz, sem efeitos sonoros ou trilhas, também é algo que se pode ter sempre atualizado para conseguir fechar mais trabalhos.
Tanto o ator quanto o dublador iniciantes podem encarar longos intervalos entre trabalhos antes de se consolidarem no mercado e é importante manter uma boa saúde mental nesse meio tempo. Lembre-se que existem inúmeros fatores para a seleção de um elenco e nem todos estão relacionados a habilidades técnicas.
QUANTO GANHA UM DUBLADOR x QUANTO TEMPO DURA CADA PROJETO
Dublagem é um trabalho freelancer, ou seja, o profissional trabalha de projeto em projeto, de papel em papel. Por isso, o cachê que ele receberá por cada papel está ligado a quanto tempo de gravação cada projeto precisa.
A frequência na qual o papel aparece na história (se é um protagonista, coadjuvante ou apoio) é um dos fatores que irá determinar a remuneração do dublador naquele trabalho. O tipo de produto também altera o valor a ser recebido, sendo que games e filmes para o cinema costumam pagar um valor mais alto. Já uma série pode durar uma temporada ou dez anos, garantindo uma renda fixa para o profissional neste período.
É utilizada uma métrica específica para contabilizar o número de horas de um dublador. Em São Paulo ela é chamada de anéis, já no Rio, loops. Uma hora de dublagem equivale a 20 anéis. Esta divisão é feita através de softwares específicos que analisam o roteiro e dividem as falas (sem contar os silêncios) a partir da métrica. Se o dublador fizer 20 loops em uma hora, ele recebe o equivalente a esses 20 loops. Se ele for muito produtivo e gravar, digamos, 60 loops em uma hora, vai receber o equivalente a três horas. Isso porque a métrica é o que manda, e não o número de horas em si.
Segundo o SATED SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo), os protagonistas de uma produção (ou seja, os dois personagens com maior número de anéis/loops) devem receber R$158,95 por loop como piso. Já os coadjuvantes (3º e 4º personagens com maior número de anéis/loops) R$155,35. O elenco de apoio (todos os demais personagens), R$144,51. Em média, oitos horas de trabalho por dia podem equivaler a R$1.600.
COMO SE TORNAR UM DUBLADOR?
Treinamento profissional como ator é essencial para o desenvolvimento do dublador. Quando na cabine de gravação o dublador está atuando e isso envolve, basicamente, as mesmas técnicas utilizadas no processo do ator que está sendo dublado. Os dois estão interpretando um mesmo personagem e, por mais que o dublador precise ter a atuação original como parâmetro para suas falas, ele não pode simplesmente emular as emoções que precisa imprimir em suas cenas.
Os cursos de atuação geralmente não abordam a dublagem em seus currículos, sendo focados mais na atuação para teatro ou em frente as câmeras de cinema e televisão. Porém, para conseguir o DRT, o interessado deverá aprender a trabalhar nesses outros meios. Por mais que o desejo de alguém possa ser especificamente a dublagem e essa pessoa saiba que sua voz será o principal instrumento no desenvolvimento de uma personagem, ela não pode se enganar: corpo e movimento fazem parte do trabalho do ator e, ter prática nessas linguagens a ajuda a ler uma cena não só pelo o que está sendo ouvido, mas também pela forma como os atores ocupam seus espaços em cena.
Para o trabalho como dublador é necessário um treinamento voltado à área, como o oferecido aqui na AIC. Nele é possível aprender técnicas específicas da dublagem, como sincronização e respiração, além de ferramentas para lidar com a musicalidade de cada idioma.
Para ingressar na área, o profissional deve enviar seu sample para estúdios de dublagem. A indicação de como deve ser o envio muitas vezes está no site de cada estúdio, mas na dúvida, ele pode entrar em contato e perguntar a melhor forma para enviar seu material.
Como em qualquer área, frequentar eventos relativos à atividade escolhida é importante para ampliar uma rede de contatos e ficar por dentro do mercado em que se quer inserir.
REFERÊNCIAS E CONSELHOS
A forma mais natural de nutrir o interesse pela dublagem é consumindo produtos dublados e se atentando ao trabalho realizado por cada profissional. Perceba como determinadas falas são adaptadas para seguirem os movimentos da boca dos atores originais, principalmente em consoantes como o P e o M, que possuem movimentos bastante claros.
Assistir a um mesmo filme duas vezes, uma no idioma original e outra dublado, ajuda no entendimento da lógica para a escolha de determinada voz, além das adaptações necessárias para cada fala. Também é benéfico assistir ao filme dublado com o roteiro original em mãos, algo que evidencia essas adaptações e treinar a agilidade para acompanhar o filme na tela e no papel.
Com o tempo, é possível reconhecer vozes em diferentes conteúdos, tendo uma noção da versatilidade exigida para os dubladores e ao mesmo tempo entendendo qual o escopo deles em termos de casting. Saber também quem são os diretores de dublagem e quais os estúdios envolvidos com cada produção pode familiarizar o dublador com nomes do mercado.
Conhecimento e curiosidade são chaves para qualquer função desenvolvida. É preciso bastante persistência e, por isso, é bom lembrar que a carreira como ator/dublador não é uma corrida curta e sim uma maratona. Esteja preparado, se preserve e mantenha viva a vontade inicial que te levou a escolher esta profissão.
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*Por Leandro Reis e equipe da Academia Internacional de Cinema
* Fontes consultadas para esse artigo: Subtitles Vs. Dubbing: The Big Business of Translating Foreign Films in a Post-‘Parasite’ World, Livro: Vocês Ainda Não Ouviram Nada – Celso Sabadin, Getting Started As A Voice Actor, Quando surgiu a dublagem no Brasil e no mundo?, Entrevista com a dubladora Beatriz Villa, Entrevista com o dublador Guilherme Briggs, Entrevista com o dublador Wendel Bezerra (1) | Entrevista com Wendel Bezerra (2), Quanto tempo demora para dublar um filme? Tabela SATED SP