Cinema é uma arte e também uma indústria multimilionária. Embora Hollywood siga ditando tendências desde a década de 1920, outros países têm ingressado nesse mercado. Em um contexto cada vez mais amplo e multifacetado, no qual as salas de cinema competem com a televisão e serviços de streaming, é importante entender de que maneira os aspectos comerciais de uma produção podem determinar seu sucesso junto ao público. Para tanto, basta analisar as principais mudanças da indústria cinematográfica nas últimas décadas.
Mercado competitivo
Atualmente, a indústria de cinema hollywoodiana produz de 600 a 800 longas-metragens por ano. Já Bollywood, cerca de 1200 filmes – a maior parte deles para seu próprio mercado. A China não fica para trás, com 400 produções – a maior parte delas assistidas localmente, pela enorme população do país. O Brasil tem uma média anual mais baixa, produzindo aproximadamente 150 filmes nacionais.
O fato é que um número gigantesco de produções está disponível anualmente para o circuito distribuidor. Com tantas opções, as salas de exibição precisam limitar o tempo em que cada filme ficará em cartaz. Antigamente, alguns filmes eram exibidos durante anos. Esse intervalo passou para alguns meses, até chegar à média de um blockbuster na atualidade: no máximo oito semanas.
Além disso, salas mais alternativas, voltadas a filmes artísticos, estão se tornando cada vez mais raras – e caras. Os chamados “filmes de autor” não atraem grandes multidões, o que faz com que alguns proprietários de cinemas não consigam manter a viabilidade de seus negócios. Além disso, o hábito que muitos cinéfilos tinham de ver o mesmo filme diversas vezes no cinema foi se alterando no decorrer das últimas décadas, devido aos preços dos ingressos e à variedade de opções.
No geral, os lucros da bilheteria de um filme dependem de quanto foi gasto em sua produção, divulgação e distribuição. Longas com grandes orçamentos, de franquias conhecidas pelo público e repletos de efeitos especiais, tendem a atrair muitos espectadores. A indústria de Hollywood cresceu justamente por conta de seu sucesso junto às massas, dentro e fora dos Estados Unidos.
Essa expansão do mercado hollywoodiano para o resto do mundo se potencializou entre os anos 1960 e 1970, quando os norte-americanos passaram a investir em blockbusters com orçamentos milionários, pensados para agradar os mais diversos tipos de público. O dinheiro gerado por esses longas permitiu a produção de mais filmes, movendo as engrenagens de uma máquina que ainda hoje é uma das mais bem-sucedidas no planeta.
Nos anos 1980, com a popularização do VHS (Video Home System, ou “sistema de vídeo caseiro”), a indústria cinematográfica tentou equilibrar a queda nas vendas de ingressos cobrando preços bastante altos pelas fitas – a VHS de um filme chegava a custar mais de 80 dólares. O longa Top Gun – Ases Indomáveis (1986) revolucionou esse mercado, tendo sua fita lançada por apenas 26,95 dólares. Isso foi possível porque a Paramount Pictures incluiu um comercial de Pepsi antes dos créditos do filme, em troca da divulgação do longa nas campanhas da marca na TV.
Com a chegada do DVD (Digital Video Disc, ou “disco digital de vídeo”), no início dos anos 2000, os distribuidores de filmes voltaram a aumentar seus lucros, já que a nova tecnologia era mais cara do que as fitas VHS – graças à sua maior capacidade de armazenamento e qualidade de resolução superior. Um processo semelhante ocorreu com a invenção do Blu-ray, disco óptico capaz de armazenar filmes em full HD, porém essa tecnologia não chegou a se popularizar no Brasil. Isso porque, entrando na década de 2010, as mídias digitais (e, com elas, a pirataria), assim como os serviços de streaming, já começam a surgir.
Como o público passou a frequentar menos as salas de cinema, muitas vezes optando por assistir filmes pela televisão ou internet, a indústria cinematográfica (especialmente Hollywood) abordou essa mudança de maneira conservadora, apostando cada vez mais em projetos de baixo risco e lucro garantido: franquias, reboots, remakes e sequências de grandes sucessos, ao invés de produções originais.
Do herói clássico à geração videoclipe
A Era de Ouro de Hollywood (anos 1920 a 1960) estabeleceu um modo de fazer filmes que precisou ser atualizado com a chegada da televisão. Com o passar dos anos, a indústria cinematográfica viu seus filmes se tornarem mais dinâmicos e ambiciosos, com cortes cada vez mais rápidos e uma grande quantidade de efeitos digitais. A necessidade de atrair multidões provocou uma mudança no tom e nas técnicas de fazer cinema.
As maiores bilheterias de todos os tempos tendem a refletir os aspectos culturais e sociais de sua época. Nos anos 1940 e 1950, muitas pessoas buscavam esquecer a Segunda Guerra Mundial com histórias positivas, focadas no heroísmo ou escapismo, evitando temas como sexo e violência. Já nos anos 1960, iniciou-se um movimento de produções mais ousadas, densas e experimentais, que se potencializou nos anos 1970 com sucessos norte-americanos como O Poderoso Chefão / The Godfather (1972), Taxi Driver (1976) e O Franco Atirador / The Deer Hunter (1978).
Aos poucos, o público acabou se cansando da violência gratuita e do constante pessimismo. Com o lançamento de Guerra nas Estrelas / Star Wars (1977), uma nova onda se popularizou: histórias em que os mocinhos venciam no final. Por conta disso, os anos 1980 se caracterizaram por filmes mais otimistas e aventureiros, com protagonistas carismáticos em situações inusitadas, quase sempre com final feliz. Exemplos disso são E.T.: O Extraterrestre / E.T. the Extra-Terrestrial (1982), Os Caça-Fantasmas / Ghostbusters (1984), De Volta para o Futuro / Back to the Future (1985) e Curtindo a Vida Adoidado / Ferris Bueller’s Day Off (1986).
Os anos 1990 substituíram os longas de aventura pelos de ação. O público jovem, em especial, passou a ter contato com novas mídias e essa influência da tecnologia se refletiu nas histórias vistas nas telas: os heróis passaram a usar mais a cabeça do que os músculos, em tramas envolvendo inteligência artificial e ficção científica, como O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final / Terminator: Judgment Day (1991), O Parque dos Dinossauros / Jurassic Park (1993), e Independence Day (1996).
Nos anos 2000, muitos filmes voltaram a temas mais pesados, inclusive envolvendo terrorismo e extremismo, até mesmo nas populares franquias de super-heróis. Batman: O Cavaleiro das Trevas / The Dark Knight (2008) exemplifica bem esse período, que substituiu os vilões cômicos por ameaças reais. Essa visão mais pessimista do mundo, gerada por conflitos políticos e ataques terroristas (principalmente aos Estados Unidos), abriu espaço para produções como Filhos da Esperança / Children of Men (2006) e Guerra ao Terror / The Hurt Locker (2008). O cinema brasileiro também entrou nessa onda mais realista, com Cidade de Deus (2002).
Atualmente, as gerações que cresceram assistindo a videoclipes na televisão e vídeos curtos na internet são as maiores frequentadoras das salas de cinema. Por conta disso, os filmes que se tornam grandes sucessos são blockbusters hollywoodianos que abusam dos cortes rápidos e efeitos especiais, preferencialmente com histórias já conhecidas pelo público, como as franquias de super-heróis originadas nos quadrinhos. As mais bem-sucedidas exploram múltiplas sequências e spin-offs para permanecer no topo das vendas, mantendo seus roteiros em um território “seguro”, sem grandes ousadias, e apostando no bom humor para entreter os espectadores.
O poder da tecnologia
A tecnologia foi o que levou o cinema de uma indústria silenciosa, em preto e branco, para espetáculos visuais em alta definição, capazes de transportar o público para dentro do filme. Nesse sentido, os avanços tecnológicos tiveram enorme impacto sobre o fazer cinematográfico – em especial no decorrer das últimas décadas. Da steadicam ao CGI (computer generated imagery, ou “imagens geradas por computador”), os avanços tecnológicos têm influenciado o teor e o tipo de histórias desenvolvidas, principalmente em Hollywood. Hoje em dia, não há praticamente nada que se possa imaginar que também não possa ser realizado com a ajuda da tecnologia digital.
Esses avanços podem ser vistos nos próprios sets de filmagem. Entre os anos 1940 e 1960, a maioria dos filmes eram gravados em estúdios ou em ambientes controlados, para evitar imprevistos que pudessem colocar em risco as gravações. A partir dos anos 1960, a melhor qualidade das câmeras e do aparato cinematográfico permitiu que os cineastas passassem a gravar em locações externas, possibilitando também maior realismo aos filmes. Essa liberdade permitiu experimentações – como comprovaram os cineastas da Nouvelle Vague francesa, por exemplo.
Com o passar das décadas, os filmes se tornaram cada vez mais próximos da realidade, indo ainda mais longe com o desenvolvimento da tecnologia 3D, fazendo com que o espectador se sentisse imerso no mundo retratado na tela. Os sets de filmagem, hoje em dia, utilizam com frequência técnicas como chroma key (efeito visual inserido na pós-produção por meio do anulamento de uma cor padrão, em geral uma tela verde) e motion capture (captura digital de movimento).
Nesse contexto, o conceito de autoria também se modificou com o tempo. No passado, muitos filmes tinham como figura principal o produtor ou o ator principal (o star system de Hollywood ilustra bem esse período). Aos poucos, em especial após movimentos de vanguarda como o Neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague, o diretor conquistou o papel de maestro da equipe, sendo responsável pelas decisões criativas mais importantes. Já com a era dos blockbusters, os produtores executivos ganharam poder sobre o produto final, uma vez que o dinheiro é extremamente importante para a realização desses filmes. Tem sido cada vez mais comum em Hollywood (recentemente, em filmes de super-heróis), a demissão e a contratação de diretores durante o processo.
Por outro lado, as mudanças tecnológicas simplificaram bastante o processo de fazer um filme, permitindo que o cinema independente florescesse. Há cerca de 50 anos, as câmeras precisavam de uma equipe inteira para serem operadas e era praticamente impossível fazer tomadas aéreas por conta do peso do equipamento. A edição da película era feita em um aparelho chamado moviola – o editor/montador fisicamente cortava e colava o filme. Fazer cinema era um processo longo e difícil, que ainda assim resultava em imagens de baixa qualidade. No mundo totalmente digital no qual vivemos, é até difícil imaginar esses desafios.
A tecnologia afeta não apenas a maneira como os filmes são gravados e editados, mas o modo de serem vistos pelo público. Jovens nascidos na última década assistem a programas na internet e televisão em altíssima resolução (4K), com uma amplitude de cores enorme e até mesmo maior velocidade de fotogramas (frame rate). Tudo aponta para uma convergência das mídias: em um futuro não muito distante, TV e internet acabarão se fundindo, para dominar ainda mais esse mercado que antes era das redes exibidoras de filmes.
No escurinho do cinema
Todas essas vantagens da tecnologia tornaram o ato de ir ao cinema um certo luxo, já que demanda tempo e dinheiro. A televisão a cabo e os serviços on-demand, além das plataformas de streaming como a Netflix, facilitaram a vida dos espectadores e provocaram uma crise no circuito exibidor. Hoje em dia, boa parte dos lucros das salas de cinema não estão nas vendas de ingressos, mas nas bombonières (que vendem pipoca, refrigerante, doces, etc).
Para os grandes estúdios, além da necessidade de atrair grandes bilheterias, é importante investir em franquias que permaneçam populares durante muitos anos, possibilitando a venda de outros produtos – como roupas e brinquedos. Os universos de super-heróis das gigantes Marvel e DC competem com animações da Disney e spin-offs de Harry Potter. Vale tudo para monetizar a atenção do público.
O universo digital traz a possibilidade de inovar e criar de maneira multimídia, confundindo as barreiras que separam a arte do entretenimento. Apesar desse contexto voltado essencialmente para o lado comercial das produções, há quem ainda acredite que a experiência de ver um filme no escurinho do cinema e os aspectos artísticos do fazer cinematográfico são imprescindíveis. Afinal, existe um público para cada tipo de filme produzido, basta que seja encontrado esse nicho.
Embora os equipamentos de home theater estejam se aproximando cada vez mais da experiência cinematográfica e muitas pessoas tenham se acostumado a ver conteúdos audiovisuais em seus celulares, o prazer de compartilhar um filme com outras pessoas em uma tela grande, no escurinho do cinema, ainda deve perdurar por mais algumas décadas. Conforme a competição vai se acirrando no mercado, a tendência é de que os realizadores passem a buscar não apenas o sucesso nas bilheterias, mas a atenção de um público específico por meio da qualidade e originalidade de seus conteúdos.
Mudanças de posicionamento
Talvez um dos aspectos mais positivos da evolução da indústria cinematográfica nas últimas décadas, especialmente a partir do início do século 21, tem sido a preocupação com a diversidade e a representatividade. Os movimentos por representações mais abrangentes, tanto no que diz respeito a questões raciais quanto de gênero, têm provado que as temáticas dos filmes também podem ser influenciadas pelo contexto histórico na qual são criadas.
Discussões e atitudes em favor da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, por exemplo, clamam por mudanças estruturais na indústria cinematográfica. Depois de escândalos como as denúncias de assédios e abusos em Hollywood que vieram à tona em 2017, com os movimentos #MeToo e #TimesUp, outras iniciativas passaram a pedir a maior inclusão feminina – na frente e atrás das câmeras.
De acordo com o que anunciou a atriz Tessa Thompson, em janeiro deste ano, um grupo de celebridades hollywoodianas está se unindo para estimular o trabalho de cineastas mulheres na indústria. O chamado 4% Challenge (ou Desafio das 4%) surgiu da estatística de que apenas 4% dos diretores dos 1,2 mil filmes mais bem-sucedidos nas bilheterias de 2007 a 2018 eram mulheres.
Ao lado de Tessa Thompson estão nomes como Brie Larson, Reese Witherspoon, J.J. Abrams, Jordan Peele, Armie Hammer, Paul Feig, Amy Schumer, Nina Jacobson, Constance Wu e Kerry Washington. Esses artistas e muitos outros declararam que nos próximos 18 meses irão anunciar um filme que será realizado por uma diretora mulher. Dois grandes sucessos de bilheteria recentemente, Mulher-Maravilha (dirigido por Patty Jenkins) e Capitã Marvel (co-dirigido por Anna Boden e Ryan Fleck) ajudaram a pavimentar o caminho para diretoras em um universo antes essencialmente masculino.
A verdade é que a indústria está descobrindo que a diversidade pode ser lucrativa. Pantera Negra, o primeiro filme de super-heróis a ser protagonizado por um ator negro, faturou mais de 1,3 bilhão de dólares no ano passado, foi indicado a sete Oscars (inclusive de melhor filme) e já tem uma sequência garantida. Roma, longa produzido por uma plataforma de streaming (Netflix), em preto e branco e todo falado em espanhol, levou 10 indicações ao Oscar e se consagrou pela vitória em categorias importantes (como a de melhor diretor). Nesse sentido, o mercado acompanha as demandas por representações mais verdadeiras de seu próprio público.
No que diz respeito aos serviços de streaming, o fato de a Netflix concorrer em igualdade com grandes estúdios tem causado certa preocupação nos gigantes do mercado, mas a competição pode ser algo muito positivo para os espectadores e os realizadores. A mudança de paradigmas certamente permite um grau maior de liberdade criativa aos showrunners de séries e aos diretores de filmes produzidos pela plataforma, possibilitando experimentações e estimulando conteúdos originais. Como disse o cineasta Joel Coen, que lançou há alguns meses A Balada de Buster Scruggs na Netflix: “Eles são as pessoas que estão se posicionando e gastando dinheiro em filmes que não são de quadrinhos da Marvel, franquias de ação ou esse tipo de coisa”. Uma renovação mercadológica, principalmente no que diz respeito aos meios de distribuição, é muito bem-vinda.
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*Texto e pesquisa Katia Kreutz imagens divulgação