Nesta quarta-feira (08), dia internacional da mulher, a Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema (AIC) recebeu a diretora, roteirista e produtora Moara Passoni. A data não passou despercebida e foi lembrada pela diretora, que iniciou sua fala citando um artigo publicado pela produtora Maria Farinha Filmes na Revista Tela Viva, no qual foram apontadas desigualdades históricas de representação das mulheres no audiovisual brasileiro. Entre elas, o fato dos filmes lançados no Brasil entre 2017 e 2019 terem tido apenas 25% de diretoras e somente 19% de roteiristas mulheres.
Exibição de Êxtase
Moara chamou atenção também para a relevância da exibição de seu filme “Êxtase” (2020) na data. Para a diretora, o longa – que foi exibido no começo da noite aos alunos – dialoga com a vivência das mulheres em uma sociedade patriarcal e o impacto dessas vivências nestes corpos. “Muita gente considera a anorexia a histeria contemporânea, eu acho que a anorexia fala sobre onde o poder toca os nossos corpos.”, afirmou.
A história, baseada na experiência de Moara com o transtorno alimentar, retrata a vida de Clara, uma jovem com anorexia. Uma doença cuja causa raramente é uma só, mas sim composta por uma teia de fatores pessoais e sociais. O que, segundo a diretora, foi uma das razões pelas quais ela optou por não fazer um filme em uma narrativa linear, que pudesse beirar ao moralismo. “Para sair da anorexia eu tive que entender que não estava procurando a dor, mas a cura para uma dor ainda maior, o que tinha a ver com questões pessoais minhas, mas também com uma série de elementos coletivos.”, conta.
O filme marca um ponto alto da carreira da diretora, que desde muito nova quis trilhar o caminho do cinema. Embora tenha feito faculdade de Ciências Sociais, seguiu uma trajetória de dedicação e estudos na área, que considera terem sido fundamentais para sua formação estética e parcerias de trabalho. A diretora é mestre em teoria do documentário pela Unicamp, roteiro e direção pela Universidade de Columbia, e estudou Filosofia-Estética na Paris 8, Comunicação e artes do corpo na PUC-SP e roteiro e documentário na EICTV-Cuba. “As instituições pelas quais eu passei foram fundamentais, tanto pelo o que elas me ensinaram, quanto pelas conexões que fiz”, afirma.
Parceria com Petra Costa
Uma dessas conexões se deu com Petra Costa, com quem a diretora tem uma parceria de longa data. Moara foi co-roteirista e produtora associada do filme nomeado ao Oscar de melhor documentário Democracia em Vertigem (2019) (Sundance/Netflix Originals), colaboradora de roteiro em Olmo e a Gaivota (2015) e produtora associada de Elena (2012), todos dirigidos por Petra.
Experiências que moldaram a relação de Moara com a formação de platéia. “Uma coisa que eu aprendi com a Petra é que a distribuição é tão importante quanto fazer o filme”, contou a diretora, lembrando que nos Estados Unidos os orçamentos de produção e lançamento/distribuição recebem praticamente o mesmo valor.Especificamente sobre o Democracia em Vertigem, Moara lembrou que na primeira exibição do filme, no Festival de Sundance, nos EUA, a audiência estava dispersa. No entanto, um ano depois, já na campanha do Oscar, a recepção foi outra, com uma plateia atenta e conectada. “Aquilo para mim foi uma aula de cinema, porque houve um processo de construção de público. Durante a campanha, tentamos mostrar para eles, que o que estava acontecendo da democracia brasileira, poderia acontecer também nos Estados Unidos.”, recorda.
Por fim, ao ser questionada sobre o limite entre experiências pessoais e coletivas no filme dirigido por Petra, Moara afirmou que fazer um documentário é uma questão de ponto de vista, e justificou a escolha da diretora por contar a história a partir da sua própria experiência. “No caso de Democracia em Vertigem, eu acho que seria até desonesto da parte da Petra não contar a história da perspectiva dela. Seria um filme impossível. Inclusive, a ideia da grande verdade é uma coisa que o documentário já desconstruiu.”, finalizou.
Texto Estefania Lima
Foto Rafael Peixoto