Laís Bodanzky fala sobre sua carreira, seu processo criativo e seu novo filme – Como Nossos Pais
Começou ontem (1), em São Paulo, a 6ª edição da Semana de Cinema e Mercado da Academia Internacional de Cinema (AIC). Quem abriu o evento foi a cineasta Laís Bodanzky, que conversou com os convidados sobre seu quarto longa-metragem, “Como Nossos Pais”, que estreia nos cinemas no próximo dia 31. Além de falar do novo filme, Laís contou sobre como iniciou sua carreira, revelou como trabalha e escolhe os atores de seus filmes, da importância do projeto Cine Mambembe para sua vida e muito mais…
Como Nossos Pais
O drama tem como protagonista Rosa (Maria Ribeiro), uma mulher que busca perfeição em todas as suas obrigações: como mãe, profissional, filha, esposa e amante. Filha de intelectuais dos anos 70 e mãe de duas meninas pré-adolescentes, ela se vê pressionada pelas duas gerações que exigem que ela seja engajada, moderna e onipresente, uma supermulher sem falhas e nem vontades próprias.
Tão representativo, já que se parece com a história de tantas mulheres modernas, o filme discute um tema atual e urgente, de uma geração que se exige e é exigida e oprimida até a exaustão. “O projeto nasceu há uns cinco anos. Tinha um desejo de falar sobre as mulheres da minha geração (…) eu acho que ser mulher é quase que sinônimo de viver sobre pressão. A verdadeira pressão não é essa explicita, que colocamos sobre nós mesmas, é uma pressão / opressão invisível, que acontece justamente quando não nos dão o devido valor, ou quando não nos dão atenção, quando colocam a mulher nesse lugar, que é a margem, com certo desprezo. Isso é o mais terrível para nós mulheres”, diz Laís.
Com um orçamento aproximado de 7 milhões, produção da Gullane e Buriti Filmes, coprodução da Globo Filmes e distribuição da Imovision, o longa captou 100% do filme em diversos editais e outros instrumentos. Foi selecionado para a Mostra Panorama Especial no 67ª Festival de Berlim e premiado no 19º Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Confira o trailer aqui.
É preciso entender a solidão do ator para conseguir dirigi-lo
Laís contou que sua experiência como atriz a ajudou a entender a solidão que o ator sente quando está no palco ou entre câmeras e equipe de filmagem. Falou sobre a impossibilidade de o ator dissociar o trabalho do próprio corpo, que é seu instrumento de trabalho e da importância do diretor ser um porto-seguro para o ator.
“Sempre escolho atores que me possibilitem trocar, atores criadores. E sempre ensaio muito com eles para criar intimidade. Também acho que o ator pode ter suas ‘frescuras’, é um direito dele e a equipe tem que respeitar o processo dele, pois só o ator está na frente da câmera, só ele coloca o corpo, só ele vai ser apontado na rua, o resto da equipe está escondida, então tem que respeitar o ator, o processo do ator”, defende.
Ao ser questionada sobre como escolhe os atores, Laís revelou que jamais escolheu um ator pensando no mercado, no ator que está em voga, ou que ajudará no lançamento. “Sinceramente acho isso um equívoco. Não basta ter o ator famoso, a gente precisa ter o ator certo para o personagem certo e para isso acontecer muitos fatores precisam combinar entre si. Não existe uma formula na hora de escolher, às vezes escolho porque me apaixono por eles ainda na fase da escrita, às vezes busco o ator que já tenha a essência que a personagem precisa. Às vezes é uma expressão, um jeito de falar, uma maneira de pensar, uma experiência da vida, cada um tem uma coisa. Por isso quando estou no processo de escolha do elenco, eu tento conversar com os atores, conhecer quem é a pessoa. ”
Laís diz não acreditar que o ator seja uma tela em branco onde podemos construir o que quiser, mas que ele é uma tela que já vem com traços pré-definidos e quando o diretor sabe utilizar isso a seu favor o efeito é maravilhoso.
“Com o Rodrigo Santoro tive uma sintonia muito grande, a ponto de discutirmos a velocidade que ele ia acender o fósforo”, contou.
Como tudo começou e a importância de estudar cinema
Filha de cineasta, no início, Laís queria ser atriz. Estudou no Centro de Pesquisa Teatral do Antunes Filho, de onde traz muitas influencias. Foi ainda quando estudava atuação que percebeu que o que gostava mesmo era da concepção do espetáculo. Acabou na faculdade de cinema onde conheceu seus parceiros de trabalho, Caio e Fabiano Gullane e onde começou o projeto de cinema itinerante. “Bicho de sete cabeças foi o primeiro longa de todo mundo e todos fizeram com muito carinho, o que deixava o set muito leve, apesar da história ser ardida”.
Salientou que o mais importante de estudar cinema é achar seus pares. “Trabalhar com os melhores do mercado nem sempre é sinal de sucesso. Para mim, o que sempre funcionou bem foi trabalhar com pessoas do mesmo nível que o meu, pessoas talentosas que crescem juntas e onde possa haver diálogo sobre os processos”.
Cine Mambembe – O Cinema Descobre o Brasil
Em parceria com o roteirista Luiz Bolognesi, Laís rodou o interior do Brasil exibindo curtas-metragens brasileiros em praças públicas. Para ela, o cinema itinerante foi um divisor de águas importante. Observar como as diferentes experiências do público afetam a percepção dos filmes foi crucial para que compreendesse melhor seu processo de criação e entendesse como passar a mensagem que deseja.
“No começo do projeto a gente tinha só 8 curtas e projetava os mesmos filmes em cada cidade que passava. Era interessante perceber que cada cidade tinha seu filme preferido e o mesmo filme gerava diferentes debates. O que entendi é que a preferência estava ligada ao lugar, ao público, a identificação com determinado personagem ou história. É preciso ter empatia para dialogar com qualquer plateia”.
Laís brinca que ela e o Luis criaram o que chamam de efeito mambembe, que é quando a plateia se identifica com o filme. Quando o filme atinge seu público-alvo.
Filmes e nomes de música
Para finalizar perguntaram a Laís sobre seus filmes terem nomes de música como títulos.
“Não sei explicar porque, mas, a música me inspira, de fato. O único filme que não tem nome de música é ‘As Melhores Coisas do Mundo’, mas eu briguei até o fim para que se chamasse ‘Ovelha Negra’ (Risos) Mas não deu. Com ‘Bicho de Sete Cabeças’, estava vasculhando discos em casa, escutei a música e achei que casava muito bem com o filme, apesar de ter sido escrito com outro contexto. Em ‘Já Chega de Saudade’, inicialmente o filme chamava ‘União Fraterna’. O nome dava uma conotação de fraternidade estranha e quando estava fazendo a pesquisa das músicas do filme me deparei com uma versão linda do Rogério Duprat, achei perfeito”, conta.
Como nossos pais, por outro lado, foi o contrário, ela fez o filme inspirada no título da música, conta que já sabia do título antes de começar a fazer o filme. O filme não tinha a música, pois a letra dava outro contexto, mas ela precisava colocar para não ficar estranho e acabou surgindo a sugestão de usar apenas uma versão instrumental. “Temos a cena da personagem tocando a música no piano e para mim é uma das cenas mais bonitas e emocionantes do filme”.
*Fotos Alê Borges