Interpretação e Direção de Cinema
Como o ator traz a emoção para uma cena rodeada por aparatos técnicos, câmeras e iluminação de cinema? O cineasta sueco Ingmar
Bergman, autor de algumas das obras mais valiosas do cinema, ficou conhecido pela forma como dirigia os atores em seus filmes. Como conseguia aproximar a câmera do ator e arrancar seus sentimentos, fazendo com que sua lente captasse todo o drama da cena. Inácio Araujo, crítico da Folha, escreveu em um artigo: “Talvez Bergman tenha sido mesmo ‘o cineasta do instante’, como definiu Godard em 1958: era o pensamento que ocorria mesmo que longinquamente a um determinado rosto que sua câmera levava ao espectador. Não penetrava na psique dos personagens. Penetrava na alma, de certa forma, mas sabia que só poderia fazê-lo por meio de seus corpos”.
Fórmulas prontas não existem, e cada diretor tem a sua forma de dirigir atores. No Brasil, é muito popular, inclusive, a figura do preparador de elenco. Em todas as abordagens, ainda que diferentes, uma coisa é certa: o ator tem que estar preparado para entrar no set, e o diretor, para guiá-lo e extrair o melhor da sua performance.
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Diferenças entre Interpretação de Cinema e Teatro
No teatro existe o palco, a relação frontal com o público, um único plano, a entonação e impostação da voz que deve se propagar pelo teatro, o espaço cênico é maior e mais livre, os movimentos mais exagerados etc. Já no cinema não existe uma linearidade narrativa durante as gravações, as cenas são gravadas separadamente e em locações diferentes, a voz e os movimentos do ator são mais naturais, o ator precisa atuar para a câmera, com o diretor ao lado e as cenas podem ser cortadas e editadas.
As diferenças são muitas e para alterar entre um tipo de interpretação e outro é preciso conhecimento e prática, segundo o ator e professor do curso de Interpretação para Cinema, Henrique Zanoni é preciso saber lidar com as diferenças de linguagem. “Hoje em dia não é tão complicado para um ator trabalhar em uma webserie, num curta ou mesmo no meio publicitário. Ou seja, precisamos ajustar nosso ferramental (corpo, voz etc) para nos expressarmos nos diferentes meios. Claro que isso envolve técnicas diferentes, mas também, creio que o ato criativo, seja na linguagem que for, passa necessariamente por algumas coisas: sensibilidade, imaginação, inteligência etc”.
A preparadora de elenco Fátima Toledo, que já orientou centenas de atores e não-atores de grandes filmes nacionais, entre eles “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” diz que para fugir das caricaturas e do senso-comum é preciso descontruir a falsidade, o estereótipo. “O cinema não é texto, é subtexto. É o que não é dito. O ator precisa viver a situação. Não existe fórmula, o que existe é paixão e entrega”, diz.
Como “encarnar” o personagem
Em um dos trechos de Hamlet, uma das mais importantes obras de William Shakespeare, ele dá dicas do que considera uma boa
interpretação. Hamlet ensina:
“Tem a bondade de dizer aquele trecho do jeito que eu ensinei, com desembaraço e naturalidade. […] Também não é preciso ser tímido demais; que o bom senso te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre o cuidado de não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da arte dramática, cuja finalidade sempre foi, e sempre será, a de representar um espelho à vida, mostrar à virtude suas próprias feições, ao vício sua imagem e a cada idade e geração sua fisionomia e característica.”
Para o ator Henrique Zanoni, não há fórmulas prontas para o ator: “Depende do filme, depende do papel, depende do diretor, depende da estrutura de produção etc. A nós atores, nos resta ‘apenas’ desenvolver nossa máquina. Independentemente do papel, sempre precisamos estar trabalhando nossa voz, nosso corpo, nossa sensibilidade, nossa Inteligência etc.”
O papel do Diretor em relação ao ator
O diretor é o grande maestro de uma obra audiovisual. A ele compete todo o conceito artístico do filme, além de selecionar, ensaiar e dirigir os atores e de coordenar toda a equipe técnica, como o diretor de arte, o diretor de fotografia, o responsável pelo som, o produtor, o figurinista, o cenógrafo, entre tantas outras funções.
É no seu relacionamento com o ator que um filme realmente encontra seu centro. Para a cineasta Lina Chamie, o ator e diretor precisam trabalhar juntos em cada fase do processo e revela como ela faz: “Começamos sempre lendo juntos o roteiro. Falo o que eu penso e ouço o que o ator pensa. É um processo de troca, de comunhão de emoção, a matéria prima de qualquer filme é o ator. Esse processo conjunto exige confiança mutua, já que muitas vezes é um processo de abertura íntima do ator, de desnudamento de ambos. Esse entendimento entre duas pessoas, com suas visões de mundo, as troca de ideia, de sentimentos e percepções é que torna possível criar um personagem e fazer um filme. Acredito muito na troca. O diretor guia o trabalho mas ele precisa se munir da sensação de todos”, conta.
O preparador de elenco
O coach ou preparador de elenco é um profissional cada vez mais presente nas produções nacionais. O trabalho dele acontece durante os ensaios e consiste, basicamente, em munir emocionalmente os atores e ajudá-los a construir o personagem.
Em 2012, durante a Mostra de Tiradentes, os preparadores foram criticados. Na ocasião, Selton Mello disse: “dá pra contar nos dedos da mão os cineastas que sabem dirigir um ator no Brasil. Daí a demanda por preparadores de elenco. Os interpretes são a alma do trabalho e o diretor deve lidar com eles diretamente”, criticou durante um discurso que fez na Mostra.
Em contrapartida, a preparadora de elenco Fátima Toledo diz que o preparador não compete nem exerce a função do diretor e sim colabora com o projeto como qualquer outro profissional da equipe. “O conceito do projeto é do diretor. Nós, preparadores, estamos a serviço dele. Ser contra o nosso trabalho é falta de conhecimento do que efetivamente fazemos. Eu faço a ponte entre o ator e o diretor, dou ferramentas para aproximar o ator da realidade do personagem e se movimentar livremente dentro desse universo e durante a gravação saio de cena e o diretor entra, dirigindo o ator. A única diferença é que o ator com preparação fica mais livre, mais solto e tem mais material para trabalhar”.
O assunto é controverso, mas o que importa mesmo, é que o ator dê vida ao seu personagem no cinema, integrado ao projeto cinematográfico do diretor e de toda a sua equipe. Cada pedaço tem de se encaixar, cada membro da equipe tem de fazer o seu papel – e o papel do ator é dar um rosto, um corpo e um alma para o filme.