Encerramos a Semana de Orientação 2024 com a palestra de Heitor Dhalia, diretor de DNA Do Crime, Arcanjo Regenado, Serra Pelada e vários outros títulos. Ele compartilhou com o público a sua jornada no cinema, com experiências nacionais e internacionais. Também falou sobre a diferença na produção entre o cinema de autor e o de audiência, além de oferecer dicas valiosas a novos profissionais.
Antes do início da palestra, o público pôde assistir ao filme O Cheiro do Ralo, que o coroou como diretor e comemora 20 anos neste ano.
Como começou o interesse pelo cinema?
Heitor compartilhou que sua primeira experiência no cinema foi como figurante aos 17 anos em Pernambuco. Durante a gravação, ele ficou observando o diretor Ruy Guerra e, desde aquele momento, entendeu que queria seguir aquela profissão. Meses depois, gravou seu primeiro curta, que nunca chegou a ser editado.
Tempos depois, quis vir para São Paulo para estudar cinema. Deixou Recife e mudou-se para São Paulo, onde concretizou sua carreira.
O Cheiro do Ralo: filme de Baixo Orçamento vira um clássico do cinema
Dhalia compartilhou como foi o seu processo de desenvolvimento de O Cheiro do Ralo. Inspirado no livro homônimo de mesmo nome, escrito por Lourenço Mutarelli (2002). Dhalia leu o livro, indicado por seu parceiro Marçal Aquino e ficou impressionado com a história, uma narrativa irônica e obscura e, a partir disso, decidiu transformá-lo em filme.
Ele contou sobre o seu processo de adaptação de livros em roteiros cinematográficos. “Eu comprei canetas coloridas e fui dividindo, ação, diálogo e narrativa com cores diferentes”. Heitor compartilha que até hoje usa o mesmo método.
Demorou para encontrar apoiadores. Depois do interesse de Selton Mello ele encontrou outros cinco produtores que embarcaram na produção. O filme foi premiado na Mostra de Cinema de São Paulo e no Festival do Rio, além de ter sido selecionado para o Sundance Festival. Para ele, o segredo para os diretores é confiarem na história que desejam contar e saber vender esse sonho para outros apoiadores.
Diferença entre Cinema de Autor e Cinema de Audiência
Heitor revelou que realiza inúmeros trabalhos simultaneamente, mesclando sempre entre obras que se encaixam no cinema de audiência e no cinema de autor.
Para ele, essa experiência do cinema de audiência se concretizou tanto em Arcanjo Renegado (Globoplay) quanto em DNA do Crime (Netflix). Ambas as produções foram sucesso internacional e, esta última, ficou por dias entre o TOP 1 em 85 países.
“Na minha opinião existe uma dicotomia, principalmente entre os estudantes de cinema, sobre o que é cinema de autor, que supostamente seria um cinema mais sofisticado, em relação ao cinema comercial. Eu acho uma falsa polêmica. A gente faz filme para pessoas e isso deveria bastar.”.
Qual foi o segredo do sucesso de DNA do Crime?
A concepção da série surgiu durante a pandemia, impulsionada pelo desejo de abordar o assalto a um banco e a dominação de bandidos em uma cidade. Heitor compartilhou com o público o processo de desenvolvimento da série.
“Primeiramente, iniciamos a fase de pesquisa para compreender o cenário do roubo. Chegamos ao assalto da Proguard, envolvendo a fronteira com o Paraguai, e a investigação recebeu reconhecimento internacional. Posteriormente, contratamos consultores da PF e indivíduos com vivência no crime, que serviram como colaboradores”, disse Dhalia.
Para ele, a pesquisa com pessoas que vivem a realidade que vai ser contata é essencial para o sucesso da série. Por isso ela foi bem aceita pelo grande público, além de policiais e pessoas envolvidas no crime. Era uma série nacional, com identidade brasileira, mas de interesse internacional.
Heitor compartilhou mais uma dica para os novos criadores: “Quer aumentar a audiência? Invista em gêneros. Crimes reais, novelas, comédias, terror são muito atrativos.”
Como construir bons roteiros?
Para Dhalia, a única forma de se ter um roteiro bem apurado é com muitas correções. “O roteiro é um processo muito rigoroso de construção da narrativa. É preciso ter cuidado na sinopse, argumento, lista de personagens, depois precisamos voltar ao argumento para entender a relação entre esses personagens. Após várias versões de cada um, começa a escaleta e, depois de muitas correções, temos o roteiro”.
Ele reforçou a importância da pesquisa. “Precisamos mergulhar no universo que queremos contar, se apaixonar por ele, ler muito sobre, conhecer, prestar atenção, ter o trabalho de pesquisador e vivenciar as realidades”.
Apesar disso, é importante que o cinema tenha liberdade criativa, conte histórias questionadoras, coloque à mostra as complexidades humanas. No entanto, é preciso respeitar com verossimilhança o mundo que está sendo retratado, aquela realidade, as pessoas que ali vivem. Se não, a audiência não vai comprar a história.
Como foi filmar em Hollywood?
O primeiro contato com a indústria norteamericana foi com o filme “Nina”, em que o diretor André Ristum foi representar Heitor Dhalia no Festival de Cinema de Los Angeles. A partir dali surgiu um contato e, apesar de não saber falar inglês, ele foi até o local para conhecer o mercado. Tempo depois, ele rodou três filmes no país, sendo um deles “Invisíveis”, sua nova produção que está em pré-lançamento.
“Alguns falam que foi sorte. E sim, teve um pouco de sorte. Mas eu acho que consegui chegar nesses lugares, exclusivamente pela atenção e interesse que eu dediquei a cada projeto. Tinham coisas que eu sabia e outras que eu não fazia a menor ideia, mas fui sem medo e sem hesitação”.
O Brasil no cenário cinematográfico
Para ele, o Brasil é um forte produtor de audiovisual mas precisa de políticas públicas mais consolidadas. “Os resultados de DNA do Crime deixaram claro para mim que um pouco mais de dinheiro para competir com a indústria norte-americana já seria o suficiente. A gente faz filmes tão bom quanto eles”.
Um modelo a ser observado, segundo Heitor, é o cinema coreano. “Cinema coreano é um modelo que encanta, conseguiram dominar a música com o K-Pop, agora o cinema com os Doramas. Eles fazem filmes para o mercado deles e depois exportam. É um modelo para prestar atenção, políticas forte de estado e investimento”.
Dica para os novos profissionais da área audiovisual
Para Dhalia, uma característica importante para novos diretores é a persuasão. “Quando você tem uma ideia e um conceito poderoso, você precisa engajar e convencer as pessoas do seu sonho. O trabalho do diretor é convencer que aquele delírio é viável”.
Outra postura que para ele é essencial é a autocoroação. Atores, atrizes, criadores, diretores precisam dizer quem são. Coroarem suas próprias carreiras e começarem a produzir para comprovarem a função que exercem.
O terceiro ponto é a administração do tempo. Parar de perder tempo com distrações. É preciso tempo para transformar o material (dinheiro, equipamentos) que você tem disponível em um material com o máximo de qualidade.
E como se preparar para o mercado? “Você se prepara estando atento àquilo que você quer. Se estiver distraído, não vai rolar ou não vai alcançar exatamente aquilo que você poderia alcançar. A resposta pra mim é: coração, autocoroação e luta”.
*Texto Caroline Cherulli e imagens Victor Poncioni