A SPcine – empresa de cinema e audiovisual da prefeitura de São Paulo, que tem o objetivo de fomentar o cinema paulista, acaba de escolher o filme “Hamlet”, do professor da Academia Internacional de Cinema Cristiano Burlan, para ser lançado nos cinemas. O filme estreia no próximo dia 11 de junho e tem exibição programada nas salas do Centro Cultural São Paulo, Cine Olido e Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes.
Além das exibições, o programa promove a oficina “Cinema de Guerrilha” com a equipe do filme. O encontro acontece no dia 12 de junho, no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, e aborda aspectos do cinema independente em São Paulo.
A produção, uma livre adaptação da tragédia de William Shakespeare, se passa na metrópole de São Paulo e conta com as vozes dos personagens e as dos próprios atores para conduzir a ficção. Parte daquilo que aconteceu nas coxias do teatro de Shakespeare estão desnudas em frente à lente. A tragédia, antes ambientada dentro do castelo, acontece também nas ruas da grande cidade e é nesse espaço público que os impulsos privados afloram.
O filme já esteve no Festival Latino-Americano de Cinema de São Paulo, no Festival Internacional do Rio, no CineBH, entre outros. Participaram do filme os professores: Henrique Zanoni, que viveu Hamlet, Cláudio Gonçalves, que fez o som direto e Rafael Nobre que fez a Direção de Fotografia. Entre os alunos da AIC que participaram estão: Charlene Rover (Foto Still), Isadora Corrêa (Maquiagem), Link Chessa (Assistente de Direção), Gabriel Manso (logger), Pedro Leite e Grace Pinto (Montagem).
Aula Especial no Curso de Interpretação de Cinema
No mesmo dia (11/6) da estreia de “Hamlet” nos cinemas, a atriz Ana Carolina Marinho, que interpreta a Ofélia no filme, estará na AIC para um encontro e bate-papo especial com a turma do curso de Interpretação para Cinema.
A atriz potiguar, que teve sua estreia no cinema com o filme, migrou para São Paulo e formou-se em Atuação pela SP Escola de Teatro. Integra o Coletivo Estopô Balaio desde sua fundação e com ele desenvolveu os espetáculos “O que Sobrou do Rio” (2013) e “A Cidade dos Rios Invisíveis” (2014). Paralelamente, escreve na Revista Antro Positivo, uma revista sobre teatro e política cultural.
Em conversa com a comunicação da AIC, Ana Carolina falou sobre atuação para cinema e teatro, sobre o processo de criação e de trabalho ao lado do diretor Cristiano Burlan e sobre o novo filme que está fazendo com o diretor. Confira a entrevista!
A Entrevista
AIC – A atuação em Hamlet foi a primeira para o cinema? Conte um pouco sobre como foi esse trabalho e fale sobre as diferenças de atuar em teatro e cinema.
Ana Carolina Marinho: Hamlet foi o meu primeiro contato com cinema. Até então, todas as minhas experiências tinham sido no teatro. O primeiro plano que gravei era um plano sequência em que a câmera me filmava de costas enquanto eu atravessava o túnel da Av. Nove de Julho. Era noite, eu estava insegura, a travessia do túnel durava uns 15 min, em determinado momento eu cheguei a achar que já não tinha mais ninguém atrás de mim, que eu estava andando sozinha. O túnel era extremamente barulhento, não conseguia ouvir os passos deles atrás de mim. Falo ao Cristiano que esse plano assentou toda a vaidade e euforia que o cinema me gerava. O plano era duro, seco, cheio de fuligem. Passar 15 minutos em silêncio nessa travessia foi a melhor forma de começar.
No teatro, todas as minhas experiências foram construídas a partir de muito ensaio, repetição ou ao menos de um plano de ações bem definido. Quando o público chegava eu já tinha experimentado aquela cena algumas vezes. O improviso acontece sempre, claro, mas dentro de um roteiro.
Com o Hamlet tive a sensação de que as cenas tinham um teor a mais de performatividade, não houveram ensaios, não houve um plano de ações definido, as cenas aconteciam na frente da câmera com alguns apontamentos do diretor.
AIC – Conte sobre “Hamlet”, o filme, com as suas palavras.
A.C.: Hamlet é uma respiração descompassada. Nesse desiquilíbrio, os atores vão construindo os personagens. Cada um escreve com a cor e a densidade que imagina e deseja para cada um. O percurso é destrutivo, não é possível sair ileso depois de tantas mortes.
AIC – Como foi trabalhar com Cristiano Burlan? Conte um pouco sobre a relação atriz x diretor.
A.C.: Cristiano é um diretor muito exigente. Ele dá espaço para que o ator construa e mostre a percepção que tem da cena, só depois ele interfere. Se o ator não propor, ele direciona de cara. O espaço de criação é bem aberto, mas o cinema é muito rigoroso. Não há muito tempo para as tentativas. Muitos dos planos do filme foram gravados em única tomada. O risco é iminente, pois. Isso é extremamente interessante e angustiante para o ator. Venho do teatro, dos ensaios numerosamente repetidos. Fazer o Hamlet foi trabalhar o improviso, a exatidão, o rigor em uma única vez, sem possibilidade de refação.
AIC – Como conseguiu o papel de Ofélia? E como é dar vida a uma personagem clássica?
A.C.: Ele dizia que o meu sotaque (sou nordestina) aproximava-se da imagem que ele tinha de Ofélia. Conversamos sobre a personagem. O convite se concretizou. Ofélia de Shakespeare, assim como a Nina de Tchecov sempre me instigaram profundamente a buscar uma leitura delas que fosse distante da imagem de ingenuidade, tolice, beleza e vaidade a que estão acometidas normalmente. Sempre quis retomar o potencial político delas no enredo. A Ofélia foi poupada a tragédia inteira de existir, é preciso admitir que ela se matou e não que o ganho acidentalmente quebrou, por exemplo.
AIC – O que irá contar na aula no curso de Interpretação para Cinema?
A.C.: Irei compartilhar sobre os meus processos de criação dos personagens, sobre a experiência de filmar com o Cristiano em Hamlet e falar também sobre o novo filme dele, o Fome. Além de abrir um diálogo sobre atuação no cinema e no teatro e mostrar parte do making of das cenas de Ofélia.
AIC – Já que falou do “Fome”, o novo filme do Burlan, conte um pouco sobre esse novo projeto.
A.C.: Fome é um filme sobre a deambulação de um homem (Jean-Claude Bernardet) que desistiu de tudo, só não da vida. Um homem que tem fome do submundo e que mergulha no descaso e na invisibilidade como escolha – ou seria por fatalidade? O filme é, para mim, uma inquietação sobre o outro, sobre o desejo em expor o outro. No Fome não houve um roteiro prévio, o filme foi todo gravado a partir das sensações do Cristiano. Faço uma estudante de jornalismo que encontra o Jean-Claude na rua e vê nele a possibilidade de escrever uma narrativa forte e é exatamente essa a inquietação da personagem, escrever sobre as pessoas sem que elas tenham a dimensão do que está sendo escrito.