Diferente do premiado “Casa Grande” (2015), “Gabriel e a Montanha” conta a história do economista Gabriel Buchmann, que resolve viajar pelo mundo antes de ingressar em seu curso de doutorado sobre políticas públicas para países pobres, na Universidade da Califórnia. Depois de percorrer alguns países da África, Gabriel foi encontrado morto, por hipotermia, no Malauí, após escalar o Monte Mulanje.
Gabriel e Fellipe eram amigos desde os 7 anos. Estudaram no tradicional colégio carioca São Bento e chegaram a cursar juntos economia, na PUC do Rio. Se distanciaram quando Fellipe foi para os Estados Unidos estudar cinema.
O filme, rodado na África, conta o final da viagem de Gabriel, os últimos 70 dias de sua jornada por quatro dos países que passou: Tanzânia, Quênia, Zâmbia e Malauí. A história mostra o ponto de vista de personagens reais, que cruzaram o caminho de Gabriel durante sua viagem.
Pesquisa e Roteiro
Fellipe decidiu contar a história em 2011, dois anos após a morte do amigo. Foi à África pela primeira vez para percorrer geograficamente o caminho de Gabriel. Desde então iniciou sua pesquisa e começou a escrever o roteiro, que só terminou em 2016. Na segunda viagem, em 2015, está com Clara e a produtora local, se concentraram em encontrar as pessoas que cruzaram o caminho de Gabriel e os locais que ele morou. A partir disso reescreveu o roteiro.
Enquanto isso Clara Linhart também corria atrás de coisas práticas, como a forma que a equipe viajaria pelos países. Foi quando a produtora africana, Vincho Nchogu, lhe apresentou um tipo de caminhão, que cabiam 16 pessoas, usado geralmente por turistas. Foi aí que a equipe se delimitou, seria composta por apenas 14 pessoas (quem sabe o tamanho enorme de equipes de cinema entende quão reduzida foi a equipe), já que 2 lugares seriam ocupados pelos atores João Pedro Zappa (que faz o Gabriel) e Carolina Abras (que interpreta a namorada de Gabriel, que foi visita-lo na África).
“Além dos depoimentos das pessoas que conheceram Gabriel, usei as suas fotos, que estavam na câmera encontrada perto do seu corpo, seu diário de viagem e os e-mails que ele mandava para a família e a namorada”, conta o diretor.
Rodando o Filme
As filmagens aconteceram em exatos 53 dias, entre os meses de maio e julho de 2016. Para isso a equipe viajou pelos 4 países, percorrendo 6 mil quilômetros. Durante o bate-papo eles contaram sobre as diferenças de filmar em outro país e sobre as escolhas, algumas conscientes e outras tantas possíveis, que encararam durante o percurso e as filmagens.
“Rodei quase todo o filme em tripé, o filme tem apenas duas sequências com a câmera na mão. Eu queria imprimir a mesma pureza que Gabriel tentava encontrar em sua busca. A forma de registrar tinha que ser pura, como a busca do personagem”, conta Fellipe.
O diretor também falou sobre o trabalho com os não atores, disse que sempre dava liberdade para que eles fossem eles mesmos. Já com os atores profissionais, João e Carolina, Fellipe ensaiou bastante ainda no Rio de Janeiro, o que trouxe segurança para que eles improvisassem e também trouxessem frescor para as cenas. “Não costumo filmar passando o texto com o ator. E nesse caso em específico eu acreditava que a própria jornada iria transformá-los e isso realmente aconteceu”, conta.
Clara arrancou risos da plateia quando contou sobre o caos que virou seu trabalho como assistente. “No início eu tinha computador, impressora, cartucho e papel. Imprimia as ordens do dia, tinha cronogramas. No segundo país que visitamos já não encontrei mais cartucho para a impressora, não existia o cartucho por lá e tive que aposentar a impressora. Passei a fazer tudo a mão, fotografar e mandar por WhatsApp. Depois o computador pifou e as ordens do dia começaram a sair por escrito mesmo, no papelzinho”.
Festival de Cannes
Único representante brasileiro na Semana de Crítica deste ano, o filme ganhou dois prêmios: o de Revelação e o Prêmio da Fundação Gan, uma ajuda financeira para que o filme seja distribuído na França.
O longa, realizado com 60% de incentivo brasileiro, é uma coprodução francesa e estreia primeiro na França, no próximo dia 31, o que causou revolta entre os participantes do bate-papo, já que o filme só chega nas telas brasileiras em novembro.
“Também fico revoltado, mas, infelizmente, lá existe outra cultura e os nossos filmes, muitas vezes, são mais bem recebidos e assistidos lá do que aqui no Brasil. É triste, mas é a realidade. Quando acabou a exibição lá em Cannes, 70 donos de sala vieram falar conosco pois queriam os filmes nas salas deles. Aqui isso não acontece. Além de termos bem menos salas do que na França, se considerarmos o tamanho do nosso país, são poucas as salas que exibem esse tipo de filme”, diz Fellipe.
Ao final do bate-papo, perguntaram ao Fellipe se ele levará o filme para a África, para que as pessoas que o ajudaram e participaram das filmagens possam assistir o longa. Ele garantiu que em 2018 levará o filme para lá.
Melhor do que ouvir tudo que ele contou foi poder ver, em primeira mão, o plano sequência de cinco minutos que abre o filme. Pura poesia.
*Fotos Ivanildo Carmo