Academia Internacional de Cinema (AIC)

Expressionismo Alemão

O que foi o movimento cinematográfico, suas principais características estéticas, filmes e cineastas mais importantes e suas influências para o cinema contemporâneo.

“Eu acredito que os filmes do futuro usarão cada vez mais esses ‘ângulos de câmera’ ou, como prefiro chamá-los, esses ‘ângulos dramáticos’. Eles auxiliam o pensamento cinematográfico.”

F.W. Murnau

O Expressionismo alemão é um dos estilos do cinema mudo mais reconhecidos, embora às vezes seja difícil de definir. O movimento expressionista nas artes foi algo que despontou na poesia e na pintura, no início do século 20, influenciando também o teatro, a arquitetura e, naturalmente, o cinema, em especial depois da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918).

O que o Expressionismo buscava era uma representação subjetiva do mundo, que fosse capaz de revelar as angústias da existência humana através de imagens distorcidas e afastadas da realidade, remetendo a pesadelos. Esses conceitos se originam, em parte, do Romantismo alemão.

Com seu uso de sombras e contrastes, histórias abordando temas inquietantes, além de cenários, maquiagens e figurinos exagerados, o cinema mudo alemão dos anos 1920 estabeleceu as bases para dois grandes gêneros do cinema moderno: o filme de terror e o filme noir.

Nesse artigo você vai conhecer a história, o desenvolvimento, as características, principais obras e diretores do movimento. Vamos entender como o Expressionismo Alemão marcou presença no início da sétima arte e se tornou um dos gêneros fundadores do cinema moderno.

 

O que foi o movimento

 

O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920)

O Expressionismo alemão consistiu em uma série de movimentos criativos na Alemanha, na época da Primeira Guerra Mundial, que teve seu auge em Berlim, nos anos 1920. Esses acontecimentos faziam parte de uma tendência expressionista mais ampla, que tomava conta da cultura europeia daquele período e que, basicamente, caracterizava-se por uma rejeição das convenções ocidentais, mostrando a realidade de maneira extremamente distorcida para causar impacto emocional.

Muito influenciados por artistas plásticos como Vincent van Gogh, Edvard Munch e El Greco, os expressionistas não se preocupavam tanto em produzir composições esteticamente agradáveis, mas buscavam gerar reações profundas do público ao seu trabalho, por meio de contrastes, ângulos e formas abruptas. Em sua essência, o movimento explorava a relação entre arte e sociedade, abrangendo inúmeros campos, incluindo o cinema.

Assim como as pinturas expressionistas, os filmes desse período buscavam abordar as experiências pessoais e subjetivas do ser humano. No cinema, essa característica é mais particularmente associada a sets pouco realistas, ângulos profundos e sombras marcantes, para intensificar a atmosfera do filme.

Para compensar a falta de grandes orçamentos, os primeiros filmes expressionistas usavam cenários pouco realistas, com desenhos pintados nas paredes e nos pisos para representar luzes, sombras e objetos. As histórias e narrativas geralmente tratavam de loucura, insanidade, traição e outros temas existenciais trazidos à tona pelas experiências traumáticas da Primeira Guerra Mundial.

O antirrealismo extremo do Expressionismo teve vida curta, dissipando-se depois de poucos anos. No entanto, os temas do movimento permaneceram, de forma um pouco mais sutil, nos filmes produzidos em anos subsequentes, entre as décadas de 1920 e 1930.

Essa escola de cinema sombria e melancólica acabou sendo levada para os Estados Unidos, mais tarde, quando os nazistas conquistaram o poder e muitos cineastas alemães foram obrigados a emigrar para Hollywood. Esses artistas perceberam que os estúdios norte-americanos estavam dispostos a acolhê-los, e diversos diretores e operadores de câmera alemães obtiveram sucesso no país, produzindo filmes hollywoodianos que impactaram o cinema como um todo.

 

Um pouco de história

 

O Anjo Azul (Josef von Sternberg, 1930)

Os filmes expressionistas tiveram sua origem em solo alemão, em um momento histórico no qual o país se encontrava em relativo isolamento. Em 1916, o governo baniu a exibição de filmes estrangeiros no país. A partir de então, a demanda das salas de cinema por mais filmes levou a um aumento da produção doméstica, que ganhou popularidade e passou de 24 filmes por ano em 1914 para 130 filmes em 1918.

Não demorou muito para que esse novo estilo conquistasse o público também de outros países. No início dos anos 1920, diversos cineastas já faziam experimentações com a estética arrojada do cinema alemão. O público europeu também começou a apreciar esse estilo, em parte devido a uma diminuição do sentimento anti-alemão que predominava na Europa, com o término da Primeira Guerra. Quando o banimento de importação de filmes deixou de vigorar na Alemanha, o cinema nacional já havia se tornado uma indústria internacional.

O movimento terminou depois que a moeda se estabilizou, tornando mais barata a compra de filmes estrangeiros. Os estúdios da Universum Film AG (UFA) entraram em colapso financeiro e os produtores alemães começaram a negociar com os italianos. O poder norte-americano na indústria cinematográfica também levou alguns cineastas germânicos a continuarem suas carreiras nos Estados Unidos. O último filme da UFA foi O Anjo Azul (Der Blaue Engel), de Josef von Sternberg, em 1930, considerado uma obra de arte expoente do Expressionismo alemão.

As características estéticas propostas pelos cineastas expressionistas na Alemanha eram bem aceitas durante a República de Weimar (1919 a 1933), período democrático antes da ocupação nazista, mas aos poucos foram se diluindo e se misturando com outras abordagens e estilos visuais. Essa variação do Expressionismo perdurou por muitas décadas subsequentes – nos ângulos acentuados e nos jogos de sombras dos filmes noir, por exemplo.

 

Principais características estéticas

 

O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920)

Por ter florescido em meio aos horrores da guerra e à devastação econômica que dominou a Alemanha depois disso, o cinema expressionista buscava expressões viscerais de emoção e desprezava a obediência das regras de composição e representação. Embora tenha sido um movimento que emergiu do mesmo clima cultural que deu origem ao nazismo, os expressionistas eram um grupo de rebeldes que pregavam valores artísticos como a abstração e o antagonismo à tradição, aliados à necessidade quase obsessiva de expressar seus sentimentos, o que fez com que se referissem a si mesmos como os “adolescentes apocalípticos”.

Muitos críticos vêem um link direto entre o cinema e a arquitetura da época, já que os cenários e a direção de arte dos filmes em geral mostravam prédios com ângulos pontiagudos e ambientes grandiosos, visualmente sobrecarregados, como a Torre de Babel no filme Metrópolis, de Fritz Lang. Fortes elementos do monumentalismo e do modernismo aparecem nos filmes canônicos do Expressionismo alemão, como o próprio Metrópolis, em que a arquitetura se apresenta de maneira massiva e muitas vezes opressora.

Os pintores expressionistas alemães que inspiraram o Expressionismo no cinema rejeitavam a representação naturalista de uma realidade objetiva.  Eles retratavam figuras humanas, prédios e paisagens de maneira distorcida e estilizada, sem muita preocupação com as convenções da perspectiva ou da proporção, para desorientar o observador. Essa abordagem era usada para transmitir emoções internas e subjetivas por meio de ferramentas externas e objetivas.

 

 

O principal exemplo do estilo visual expressionista é a atmosfera de sonho do filme O Gabinete do Dr. Caligari, reconhecido como um dos marcos do cinema expressionista. Hermann Warm, o diretor de arte do filme, trabalhou com os pintores e diretores de arte Walter Reimann e Walter Röhrig para criar sets fantásticos, que remetiam a pesadelos, com criaturas retorcidas e paisagens com formas pontiagudas e linhas oblíquas. Alguns desses desenhos foram construídos, outros pintados diretamente em telas.

Os filmes expressionistas alemães não apenas sintetizam o contexto sociopolítico no qual foram criados, como também trabalhavam problemas intrinsecamente modernos de auto-aceitação e identidade, expressando um pouco do que se passava na consciência coletiva da época. Segundo J.P. Telotte, em ‘Expressionismo Alemão: Um Problema Cinemático/Cultural’ do livro Tradições do Cinema Mundial (2005), o movimento voltou seu foco ao “poder dos espetáculos” para oferecer ao público uma espécie de imagem metonímia de sua própria situação.

Os filmes expressionistas permanecem marcados por seus cenários e atuações extremamente estilizados, seu visual altamente contrastado e edição simples. A maior parte deles era gravada em estúdios, onde se podia usar iluminação e ângulos de câmera deliberadamente exagerados e dramáticos, para enfatizar algum aspecto particular dos personagens – medo, horror, dor, etc. Algumas das técnicas expressionistas foram posteriormente adaptadas por diretores norte-americanos e incorporadas em muitos filmes de Hollywood.

 

Principais filmes

 

O Gabinete do Dr. Caligari

Entre os filmes mais emblemáticos do Expressionismo alemão, certamente é preciso destacar O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari), de 1920, dirigido por Robert Wiene. O filme é famoso por sua atmosfera angustiante e pela história macabra, na qual o personagem Francis tenta resolver uma série de assassinatos que ele suspeita serem obra de um hipnotizador, o Dr. Caligari, e de seu comparsa sonâmbulo, Cesare.

 

Nosferatu

Outro filme extremamente representativo do movimento foi Nosferatu (1922), de F.W. Murnau. Embora tenha usado diversas locações reais, o que não era comum nos filmes da época, o filme desenvolve o desespero e a angústia de maneira crescente e assustadora. O diretor transforma o familiar em algo estranho, dando toques expressionistas às paisagens da vida real, o que gradualmente transporta o espectador da realidade para o pesadelo.

 

Metrópolis

Metrópolis (1927), de Fritz Lang, também é considerado um dos mais famosos filmes do Expressionismo e do cinema mudo como um todo. O longa-metragem mistura elementos góticos com uma estética futurista que ainda hoje inspira o gênero de ficção científica. Sua visão extremista de uma sociedade movida pela luta de classes, com os ricos vivendo no topo iluminado da cidade e os pobres embaixo, nas sombras.

 

M, o Vampiro de Dusseldorf

Mais um filme de Fritz Lang, conhecido especialmente por suas ideias ousadas, dessa vez inspirando-se em um caso real de um sequestrador infantil para, mais uma vez, fazer um paralelo com a realidade dentro do expressionismo. A crítica era voltada para a criminalidade e disputas de poder dentro da República De Weimar, mas essa inserção de realidade não foi a única novidade: M, o Vampiro de Dusseldorf também é o primeiro filme com som do diretor.

 

O Homem Que Ri

Cruzando para o além mar, O Homem Que Ri foi possivelmente o filme expressionista estadunidense mais importante do período. Dirigido pelo alemão Paul Leni, a obra adapta o romance de mesmo nome de Victor Hugo em que um jovem é condenado a rir para sempre. O filme se destacou pela caracterização macabra do personagem principal com um sorriso perene e bizarro e que, aliado a estética expressionista forte, faz com que o filme seja sempre aliado ao terror por mais que esteja muito mais próximo da construção de um melodrama.

 

Legado para o cinema

 

Alfred Hitchcok dirigindo um de seus primeiros filmes.

O cinema expressionista alemão dos anos 1920 defendia a premissa de que o filme se transforma em arte na medida em que suas imagens se afastam da realidade. Essa interpretação particular acabou influenciando alguns dos mais relevantes cineastas do século 20. O estilo seminal do Expressionismo conseguiu transpor em imagens o sentimento popular de um período turbulento da história europeia, dando origem a obras poderosas com um olhar revelador sobre a sociedade da época, expressando toda a desilusão, desconfiança e isolamento enfrentados pelo povo alemão.

Os filmes mudos da Alemanha estavam muito à frente do que era produzido em Hollywood no mesmo período. De certo modo, o cinema no mundo inteiro se beneficiou com o desenvolvimento desse estilo e das novas técnicas, que se tornaram cada vez mais visíveis nas telas. A estética expressionista ainda é incorporada por cineastas e diretores de fotografia contemporâneos.

No campo das artes plásticas, o russo Wassily Kandinsky foi um dos pintores fortemente inspirados pelo Expressionismo. O mesmo pode-se dizer do escritor Franz Kafka, na literatura, e do compositor austríaco Arnold Schoenberg, na música. Já no cinema, dois gêneros foram especialmente influenciados: os filmes de terror e os filmes noir.

Inspirado pelo movimento expressionista, o fundador dos estúdios da Universal, Carl Laemmle, ficou famoso por produzir filmes de terror para o cinema mudo norte-americano, como O Fantasma da Ópera (The Phantom of the Opera), em 1925. Cineastas de origem alemã, radicados nos Estados Unidos, como Karl Freund (que foi diretor de fotografia de Drácula, em 1931), ajudaram a definir a atmosfera dos filmes de monstros produzidos pela Universal nos anos 1930. Com suas características peculiares de direção de arte e de fotografia, esses profissionais criaram um modelo estilístico para as futuras gerações.

Em 1924, o jovem Alfred Hitchcock foi enviado para trabalhar no filme The Blackguard (Die Prinzessin und der Geiger), como assistente de direção e diretor de arte para os estúdios UFA, em Berlim. O efeito imediato desse ambiente de trabalho pode ser visto no design de seus cenários para esse longa-metragem. O Expressionismo alemão influenciou o diretor ao longo de toda a sua carreira, assim como o cinema de Hitchcock influenciou diversos outros cineastas modernos.

Em seu terceiro filme, O Inquilino (The Lodger: A Story of the London Fog), de 1927, Hitchcock apresentou ao público técnicas de iluminação e truques de câmera ousados, contra a vontade do estúdio. Essa influência expressionista também pode ser percebida no bem sucedido Psicose (Psycho), de 1960, no qual a imagem borrada do assassino, vista através de uma cortina de banheiro, é uma reminiscência a Nosferatu, na cena em que o vampiro é mostrado por meio de uma sombra.

Nos anos 1940, diretores como Fritz Lang, Billy Wilder, Otto Preminger, Orson Welles, Carol Reed e Michael Curtiz introduziram o estilo expressionista nos dramas norte-americanos, expandindo ainda mais a influência do movimento no fazer cinematográfico moderno.

 

O expressionismo no cinema moderno

 

Batmna: O Retorno (Tim Burton, 1992)

Mais recentemente, em 1979, o filme Nosferatu: O Vampiro da Noite (Nosferatu: Phantom der Nacht), do cineasta alemão Werner Herzog, foi um tributo ao longa de F.W. Murnau, usando as mesmas técnicas expressionistas para contar uma história de valor simbólico muito profundo. Outro filme recente que usa contraste acentuado e elementos fantásticos é a produção norte-americana Cidade das Sombras (Dark City), de 1998, dirigida por Alex Proyas.

Elementos estilísticos empregados do Expressionismo são comuns atualmente em obras de ficção científica – por exemplo, Blade Runner: O Caçador de Androides (Blade Runner), de Ridley Scott, lançado em 1982 e visivelmente influenciado por Metrópolis; e Neblina e Sombras (Shadows and Fog), de Woody Allen, de 1991, uma homenagem aos cineastas expressionistas Fritz Lang, Georg Wilhelm Pabst e F.W. Murnau.

O estilo também pode ser percebido também na filmografia do diretor Tim Burton. Batman: O Retorno (Batman Returns), de 1992, é muito citado como uma tentativa moderna de capturar a essência do expressionismo alemão. As formas angulares dos prédios e a aparência agressiva da cidade de Gotham evocam a hostilidade e a ameaça presentes em Metrópolis. Além disso, o Gabinete do Dr. Caligari foi a inspiração para a aparência grotesca do Pinguim, interpretado por Danny DeVito.

As influências expressionistas de Burton são ainda mais aparentes no conto de fadas moderno Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands). O protagonista é uma referência ao servo sonâmbulo de Caligari. Burton provoca desconforto com os ambientes do filme, desde o subúrbio colorido até o castelo gótico do protagonista. A seu modo, o diretor subverte o pesadelo de Caligari com uma narrativa surpreendentemente inspiradora, apresentando o outsider como herói e os habitantes da vila como vilões. O mesmo pode-se dizer sobre o filme Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street), de 2007, também dirigido por Tim Burton, cujo protagonista aparece sempre com roupas escuras, maquiagem branca no rosto e olheiras profundas.

*Texto e pesquisa: Katia Kreutz

 

 

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