O final “My way” da Semana de Orientação – Jordana Berg na AIC
A 9ª Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema (AIC) teve um fim apoteótico. Jordana Berg, montadora de Eduardo Coutinho, prestou uma grande homenagem ao documentarista, morto no último dia 02 de fevereiro, e surpreendeu a todos com uma conversa reconfortante, mostrando um Coutinho além do documentarista.
Assim como nos documentários, ela trouxe o seu “recorte de uma realidade” e a sua visão de montadora, a de quem conviveu com ele por mais de cinco mil horas, durante 18 anos de trabalho, não só em frente à ilha de edição. Foi como se ela disponibilizasse uma segunda câmera, que mostrasse os bastidores do que eles viveram e, nós, a plateia, estivéssemos ali, vendo e participando de cada história.
“Há um luto que é só meu. E outro, que eu sinto que devo compartilhar”, começou falando, antes de mostrar um curto vídeo, gravado do celular dela, onde Coutinho fala por três minutos do filme “Jogo de cena” e diz: “No campo do sensível, tudo é verídico”.
Em uma espécie de retrospectiva, Jordana falou de cada filme que montou com ele, trazendo não só detalhes técnicos e dilemas da montagem, como curiosidades deliciosas de ouvir. Embutido a tudo isso, ressaltou a ética e o respeito que Coutinho tinha por cada entrevistado.
Começou com “Santo forte” (1999), falando sobre o uso da técnica “jump cut” (corte que quebra a continuidade do tempo), que, embora hoje seja usado por toda emissora de TV, era um tipo de corte bastante ousado para época em que o filme foi lançado. Revelou que D. Teresa, uma das personagens do filme, era uma personagem querida de Coutinho.
Sobre “Babilônia 2000” (2000) contou que tinha cinco equipes diferentes de filmagem, o que possibilitou uma edição bem rápida.
“Quando montamos ‘Edifício Master’ Coutinho estava muito alegre. A gente chegava a cair da cadeira de tanto rir. A grande questão nesse filme foi como ordenar as entrevistas. Ninguém sabia que ordem seguir. Ele dizia, em relação aos personagens, ‘ninguém é consequência de ninguém’. Tentamos várias coisas, até um sorteio. Colocamos os nomes dos personagens em um saco e saímos pedindo para todo mundo que trabalhava na Videofilmes tirar um papelzinho. Não preciso dizer que não deu certo e que a montagem ficou péssima, né? Nós só tínhamos certeza dos três primeiros personagens, até que decidimos colocar na ordem da gravação. Foi por conta desse filme que surgiu um código entre a gente. Temos uma cena em que um personagem canta a música ‘My way’ (interpretada por Frank Sinatra) e, a princípio, resolvemos deixar a cena para o final. Mas então percebemos que não poderíamos, pois era um final emotivo demais, o que seria uma chantagem com o espectador. Trocamos, colocamos a cena no meio filme. A partir daí, nos filmes seguintes, sempre falávamos: ‘Não, não dá pra usar esse final. É um final muito ‘My way’”, contou Jordana.
Entre um filme e outro, Jordana relembra o que Coutinho tentava evitar. “Além de evitar os finais ‘My way’, não filmava ‘inimigos públicos’ – pessoas a quem quisesse desmascarar, queria ouvir apenas histórias que as pessoas queriam contar. Ele não manipulava nenhum cenário, não gostava de usar imagem de cobertura, não usava música além da que estivesse em cena e fotos extras só apareciam se mostradas pelo próprio personagem em cena”.
Ainda contou um pouco sobre o “O fim e o princípio” (2005), “As canções” (2011), “Moscou” (2009) e fechou com “Jogo de cena” (2007).
Jordana explicou o processo de filmagem. “Primeiro Coutinho filmou as personagens verdadeiras e, depois, ele entregava para as atrizes três coisas: um bloco de 15 minutos já editado, aproximadamente uma hora de material bruto e o texto, bruto e editado. A montagem foi complexa, já que não queríamos que ficasse óbvia, mas, ao mesmo tempo, as duplas famosas eram impossíveis de serem separadas”, conta. Jordana também revelou que o nome do filme surgiu a partir de um artigo escrito por Ismail Xavier sobre o filme “Edifício Master”.
Pra finalizar, mais um vídeo do acervo pessoal de Jordana, mostrando um Eduardo Coutinho feliz, cantarolando Tim Maia em meio à gravação de seu último filme, ainda não finalizado, chamado “Palavra”. Foi assim que terminou o bate-papo, como uma homenagem comovente, espécie de emocionante final “My way”.
*Fotos de Alessandra Haro.