Uma aula sobre processo criativo em documentário! É assim o resumo do terceiro dia da Semana de Orientação com a presença de Ricardo Calil, diretor e roteirista de grandes produções como Vale o Escrito – A Guerra do Jogo do Bicho e Em Nome de Deus, ambas disponíveis na Globoplay.
O público ficou interessado sobre a sua nova obra, a história do Jogo do Bicho na década de 70 no Rio de Janeiro e como essa prática, proibida por lei, se esbarra com a criminalidade e o carnaval. Calil compartilhou suas experiências como jornalista e documentarista, discutindo também sobre o preparo para as entrevistas e as fontes de onde obtém novas histórias.
Relação entre Jornalismo e Documentário
Formado em Jornalismo, Ricardo possui uma perspectiva que destaca o documentário como uma linguagem mais centrado no cinema do que no jornalismo. Calil defende que a essência do jornalismo reside na informação, enquanto o documentário visa proporcionar uma experiência ao telespectador, seja de forma dramatúrgica, estética ou narrativa.
“De um lado o jornalista tem um desejo de mergulhar, pesquisar e compreender temas específicos, demonstrando organização de pensamento e construção de pauta com aspectos importantes. Porém, no momento das entrevistas é diferente: no documentário você não tem uma pauta a cumprir, é preciso ouvir a pessoa e estar pronto para acolher o silêncio. O silêncio, pouco valorizado no jornalismo, ganha destaque nos documentários, é o momento que o telespectador processa a emoção.”
Contrastando, tanto o documentário quanto o jornalismo carregam uma responsabilidade distinta da ficção: a ética. Para Ricardo, profissionais que lidam com pessoas e eventos reais não podem traí-los, pois, as vidas são impactadas pelo que é narrado.
Como foi estruturar a narrativa de Vale o Escrito – A Guerra do Jogo do Bicho?
Segundo Ricardo, a ideia inicial consistia em um episódio por família. Contudo, com as pesquisas e entrevistas realizadas, perceberam a necessidade de destacar a família Garcia como o fio condutor da narrativa. Além disso, planejava-se uma abordagem em primeira pessoa, onde a história do jogo do bicho seria narrada pelos próprios bicheiros, em vez de especialistas ou narrador.
Durante a pós-produção, houve uma aproximação do material com a dramaturgia de ficção, analisando o arco de cada personagem, os pontos de virada em cada episódio e os protagonistas. “Fiquei muito feliz ao perceber que as pessoas consumiram a série como uma obra de ficção, com diversas comparações com O Poderoso Chefão, Mulheres de Areia e Succession”.
Com intuito de tornar a narrativa mais envolvente e garantir que o público não se perdesse na trama, a equipe optou pela inclusão da narração e recursos visuais. “Resistimos contra a ideia de ter uma narração, mas algumas histórias se encaixaram depois que ela veio, deixando a história mais eletrizante. Além de recursos visuais como os quadros caindo, mapas e roletas, para que as pessoas acompanhassem o fluxo da narrativa”.
Como se preparar para as entrevistas de um documentário?
Como documentarista, sua referência em escola e linguagem é Eduardo Coutinho, sendo uma de suas técnicas o rigoroso preparo, obtendo todas as informações sobre o entrevistado e a história em pauta. No entanto, no momento da entrevista, é fundamental deixá-la de lado e, simplesmente, ouvir, mantendo total atenção e escuta no entrevistado.
“Olho no olho, equipe concentrada e silenciosa, ouvindo o que o entrevistado está falando. Ser ouvido é muito precioso para a pessoa que está dando a entrevista; as pessoas desejam ser ouvidas com atenção”, destaca Calil.
Calil destacou que na linguagem documental, não apenas eventos sociais, criminalidade ou as pautas quentes são relevantes para contar a história. Falou da importância de outros assuntos serem abordados. “Nas entrevistas de Vale o Escrito indiciávamos conversas sobre a vida pessoal dos personagens, queríamos saber sobre a relação com os filhos, a família, o carnaval. Não estávamos interessados só nos assuntos urgentes, mas no drama humano que essas pessoas ofereciam”.
Como entrevistar pessoas que são criminosas, tendo assassinatos em seu histórico? Algum momento sentiu medo?
Ricardo comentou que, diferentemente de outros trabalhos, a equipe teve bastante tempo para estabelecer contato com os entrevistados, prepará-los e explicar sobre o projeto. Além disso, mencionou que outras pessoas dariam entrevistas, enfatizando a importância de ouvir todos os envolvidos na história. Ele compartilhou que houve casos em que um entrevistado demorou até 1 ano para aceitar participar. No que diz respeito ao julgamento pessoal, Ricardo destacou a necessidade de bloquear os julgamentos.
“Tudo foi amplamente discutido; eles tinham ciência de que não estávamos ali para julgá-los ou condená-los. Eu tento bloquear ao máximo os julgamentos morais. Quero apenas ouvi-los, mesmo quando estão falando sobre crimes”, partilhou Ricardo.
Como é fazer uma produção para um Streaming?
Ricardo acumulou experiência com duas produções para a Globoplay, integrando o núcleo de documentário de Pedro Bial. Para ele, essa parceria gerou maior confiança na plataforma, solicitando uma ‘bíblia’ mais concisa. Apesar disso, negociações ocorreram durante a produção ao perceberem que a história estava seguindo um caminho diferente do inicialmente proposto.
Porém, ele observa que as plataformas internacionais, como Prime Video, Netflix e HBO+, têm abordagens distintas, exigindo uma ‘bíblia’ mais detalhada. Na Globoplay, não senti limitações quanto ao tema ou à abordagem. Espero que isso não mude, já que o mercado está seguindo para um novo formato.”
Onde encontrar histórias para documentários?
Quando se trata de encontrar histórias para documentários, Calil enfatiza que não existe uma regra rígida. No caso do Cine Marrocos, seu interesse foi despertado ao ler uma notícia sobre a ocupação de refugiados em um cinema de São Paulo, onde antigamente, foi um dos mais luxuosos da América Latina e palco do primeiro Festival Internacional de Cinema de São Paulo.
Além disso, Calil destaca que algumas produções surgiram a partir da leitura de biografias, como Eu Sou Carlos Imperial. Outras oportunidades surgiram por meio de convites de outros realizadores que já tinham uma história pronta.
Aula de Documentário aberta ao Público
No dia 09 de março, a AIC dá início ao Curso de Documentário Semestral. A partir das 09h30 da manhã, os interessados em documentários foram convidados, durante a palestra, para uma aula aberta e gratuita, onde serão apresentados documentários realizados na AIC.
Semana de Orientação
Nesta quinta-feira (22) recebemos o último palestrante da Semana de Orientação.
Quinta, 22/02 – Heitor Dhalia
17h exibição de “O Cheiro do Ralo”
19h bate-papo com o Diretor
Faça a sua inscrição, é gratuita e limitada.
*Texto Caroline Cherulli e Fotos Victor Poncioni.