Cantareira, curta do ex-aluno da Academia Internacional de Cinema (AIC) Rodrigo Ribeyro, foi selecionado para o Festival de Cannes 2021, na Cinéfondation, mostra dedicada a produções estudantis. O curta foi produzido como trabalho de conclusão do curso Filmworks – o curso técnico com ênfase em direção cinematográfica da escola e contou com a participação de outros alunos da AIC.
Em 23 minutos de duração, a obra narra a história de Bento, trabalhador e morador do centro de São Paulo, que decide voltar ao lugar onde cresceu, a casa do avô Silvio na Serra da Cantareira, buscando não somente a paz, mas também um emprego.
Em uma bate-papo virtual, Rodrigo contou como foi o todo o processo para a realização do filme.
AIC – Fale um pouco sobre a construção do roteiro
Rodrigo Ribeyro: O roteiro vem parcialmente de uma experiência pessoal, que foi a minha mudança da Serra da Cantareira para o centro de São Paulo quando eu tinha 16 anos. Eu cresci nesse lugar tranquilo, aonde o tempo corre (ou corria) numa outra velocidade e aonde o som colabora (ou colaborava) para um estado muito mais sereno do que aquele que eu encontrei quando me mudei. Chegar no centro de São Paulo e perceber todas essas diferenças foi a faísca, foi a sensação que passou a me habitar desde 2012 e que moldou minha visão de mundo, de vida. Junto disso, já no centro, eu era vizinho de uma lanchonete no estilo PF (prato feito). Frequentava lá quase que diariamente, muitas vezes só pra conversar e acabei desenvolvendo uma intimidade com os trabalhadores desse lugar. Com eles, de forma recíproca, dialogava sobre questões mais cotidianas como futebol, notícias ou acontecimentos do bairro, mas também sobre família, passado, saúde, política e planos para o futuro. Muitos desses trabalhadores moram no local de trabalho, inclusive. Através desse contato, resolvi combinar a minha experiência com a deles e, assim, criar o personagem do Bento.
AIC – Como foi a produção do filme
Rodrigo Ribeyro: Foi um processo de aprendizado extremo, não só no sentido organizacional de estrutura de produção, mas também no entendimento das emoções que perpassam, das relações que se dão e também do prazer que é filmar algo com vontade. Sou extremamente grato a todos que toparam fazer esse filme comigo pois não só abraçaram um projeto de formação, mas estiveram abertos para trabalhar com um diretor em formação, lidando com seus vários anseios e expectativas. É importante humanizar esses processos porque eles não são cartesianos, principalmente num início de trajetória. Acho muito bonito e necessário olhar para o Cantareira não só como um filme, mas uma experiência coletiva de aprendizado e amadurecimento, algo tão importante quanto o próprio resultado.
AIC – Como foi a relação com os alunos de outros cursos da AIC?
Rodrigo Ribeyro: São vários os colegas, funcionários, professores que de alguma forma ajudaram o filme, seja discutindo o projeto comigo ou conversando e compartilhando momentos. Acho importante que um ambiente criativo se desenvolva de forma acolhedora. Tentei colocar nos agradecimentos os nomes de todos que sinto que, de coração aberto, fizeram parte disso. Dentro dessas relações, é importante citar que grande parte da equipe se deu na união de estudantes de diferentes cursos da instituição. A equipe de produção formada por Isis Ramos, Wagner Vieira e Juliana Cristina Santos veio toda do curso de produção da AIC, com indicação e colaboração vital da Professora Alessandra Haro. A diretora de arte, Gabriela Taiara, foi aluna do curso de direção de arte da AIC. Eva Moreira, assistente de direção, e Dani Drumond, diretor de fotografia, foram alunos do Filmworks. Além disso, dois integrantes do elenco foram alunos do curso de atuação para cinema coordenado por Vanessa Prieto. Eles são Guilherme Dourado e Emiliano Favacho, este último inclusive intérprete do personagem principal. Menciono aqui também Almir Guilhermino, Margot Varella e Gelson dos Santos, atores externos à AIC que completam o elenco do filme e também Shay Peled e Uirá Ozzetti , que forneceram contribuições essenciais ao projeto. Nina Kopko, Leandro Afonso, Teresinha Cipolotti, Antonio Vanfill, Dicezar Leandro, Eduardo Chatagnier, Pedro Jorge, entre outros, são alguns professores sempre abertos ao diálogo e a troca, elementos tão valiosos para um projeto, ainda mais no âmbito escolar.
AIC – O que representa essa seleção para Cannes
Rodrigo Ribeyro: Acho que vai muito da perspectiva pela qual você escolhe observar. É claro que é um feito que traz reflexões, que me trouxe questões dentro de um projeto de carreira, dentro de possíveis caminhos a seguir, mas é um momento muito específico de um processo muito mais amplo. Tento aceitar a ideia de que, de certa maneira, o filme consegue comunicar alguma coisa. Eu, particularmente, sou muito envolvido no som do filme. Foi tendo aula com Lina Chamie e com Larissa Figueiredo que pude me questionar sobre o trabalho de som que gostaria de desenvolver e como esse recurso contribuiria para criar atmosferas que dialogassem com a subjetividade dos personagens. Mas falo do som apenas porque foi um processo desenhado por mim, contando obviamente com toda sensibilidade e capacidade técnica do Uirá Ozzetti, responsável pelo som direto, e de Ricardo Zollner, que fez a mixagem. Mas quero, principalmente, que essa seleção funcione como combustível para criar mais e para que todos envolvidos sintam-se energizados e potencializados. Assim como desejo que as ambiguidades da experiência de vida urbana ou dessa estrutura econômica centralizada sejam expostas e revistas. São Paulo concentra renda, concentra gente, concentra desigualdades e concentra violências. Não há necessidade de uma geografia tão egocêntrica.
AIC – Novos Projetos pela frente?
Rodrigo Ribeiyro: Tenho alguns projetos de curta escritos, entre eles um em especial que está pronto pra ser filmado. Falta só o financiamento. Além disso, tenho um projeto híbrido sem duração definida. A filmagem responderá isso, mas a tendência é que seja um longa. Além disso, estou desenvolvendo o roteiro de um longa de ficção. Também pretendo aprofundar meus trabalhos com música, tanto no sentido de composições próprias quanto no sentido de aplicar o audiovisual ao trabalho de outros artistas. Clipes, programas, entrevistas, documentários… Enfim, pretendo manter o audiovisual e a música bem presentes na minha vida.
*Fotos divulgação do filme