Curso de roteiro para o público infantojuvenil explora mercado em ascensão
Por Katia Kreutz
Aprender a escrever para um nicho específico amplia chances de trabalho como roteirista
Você já pensou em criar histórias para crianças? Se acredita que tem algum talento para isso, a boa notícia é que o mercado audiovisual voltado ao público jovem está em alta. Com a facilidade de acesso à TV paga e aos meios digitais, o nicho infantojuvenil – especialmente para quem deseja se profissionalizar na área de roteiro – só tende a crescer ainda mais.
Pensando nisso, as roteiristas Renata Mizrahi, Joana Brea e Clara Meirelles desenvolveram o curso Roteiro para Conteúdos Infantojuvenis, com inscrições abertas na Academia Internacional de Cinema (AIC). “Temos um histórico de escrever para crianças, por isso nos unimos para realizar um curso que mostrasse a importância de pensar em conteúdo para esse público, abordando temas pertinentes, e como seria entrar nesse mercado”, explicam as professoras.
Renata é autora, diretora e roteirista, com ampla experiência no teatro, em peças infantis premiadas como Joaquim e as Estrelas e o musical Coisas Que a Gente Não Vê. Joana, produtora e roteirista, trabalha desde 2013 em um canal infantil, supervisionando todos os roteiros de produção nacional, amparada por acompanhamento pedagógico e pesquisa sobre a faixa etária. Clara também é produtora e roteirista, já trabalhou em diversas produções infantis e educativas, escreveu os gibis da Luluzinha Teen e hoje escreve uma série para o público pré-adolescente, que será exibida no canal Futura. Além disso, as três participaram do premiado programa do Gloob Tem Criança Na Cozinha.
O BOOM do Mercado
A proposta do curso surgiu para auxiliar os roteiristas de hoje no entendimento do mercado em que atuam. Nas últimas décadas, o conteúdo audiovisual para crianças e adolescentes, os chamados “filmes para toda a família”, tem passado por um boom de produção e de público. De acordo com estatísticas da Motion Picture Association of America (MPAA), cerca de 25% da receita nas bilheterias dos cinemas no ano passado foi para espectadores com menos de 18 anos. Além disso, quase 50% das vendas de ingressos para filmes em 3D são para essa faixa etária. Isso tudo sem mencionar a televisão, que é uma das maiores diversões (muitas vezes contribuindo até na educação) dos nossos jovens.
O Curso da AIC
Nesse contexto, roteiristas que têm interesse em escrever histórias para crianças e adolescentes precisam ter em mãos algumas ferramentas. O curso Roteiro para Conteúdos Infantojuvenis mescla teoria e prática com o intuito de desenvolver a técnica e a criatividade dos alunos, oferecendo um amplo leque de referências, para que eles tenham contato com diferentes formatos de narrativas. ”O foco será em roteiro para televisão, sem deixar de falar sobre outras plataformas, como teatro, quadrinhos e literatura”, descrevem as professoras.
O curso é composto por três módulos. No primeiro, os alunos terão um panorama do mercado audiovisual para crianças e adolescentes no Brasil. As três profissionais irão explicar a importância, para o roteirista, de desenvolver um olhar de produtor, além de conhecer o perfil do público. Esse módulo aborda também um breve histórico dos programas de TV infantojuvenis no país.
No segundo módulo, serão apresentados diferentes formatos de narrativas e referências de conteúdos para televisão, Internet, cinema, teatro, literatura e quadrinhos, estudando a transversalidade entre esses formatos. Renata, Joana e Clara também irão comentar sobre os desafios e as oportunidades da produção cinematográfica nacional voltada para esse público.
O terceiro módulo do curso corresponde à parte prática do curso: os alunos colocam a “mão na massa”, desenvolvendo seus próprios projetos. A ideia é que cada um possa criar seu argumento de série ou de longa-metragem, escrevendo com a orientação das profissionais e, ao final, simulando um pitching (apresentação) entre os colegas.
“O mercado infantil está muito aquecido. Os canais nacionais e estrangeiros têm investido em produções locais, com excelentes resultados, desde o início da vigência da Lei da TV Paga (Lei 12.485, determinando um mecanismo de cotas que garante uma demanda potencial mínima e possibilita a existência da produção nacional)”, ressaltam as roteiristas. Para quem busca oportunidades de trabalho, vale lembrar que essa área está sempre carente de bons profissionais.
Como escrever um roteiro para esse público, agradando pais e crianças?
De acordo com as professoras, é importante que o roteiro para crianças seja escrito de maneira diferente das histórias para adultos, já que se trata de um público em formação. “Temos que pensar em conteúdos que contemplem entretenimento e reflexão, sem subestimar a lógica da criança”, afirmam. Nesse sentido, a oficina abrange ainda temas profundos, como racismo, separação, autoestima e novos modelos familiares.
Uma ressalva das roteiristas é que não se pode fazer branded contente (inserção de conteúdo relacionado a marcas) em programas para o público infantil, por isso é interessante que os aspirantes à profissão conheçam as formas de obter recursos. “Muitos canais trabalham com dinheiro próprio e outros usam fundos de financiamento”, conta Joana.
“No mundo digitalizado em que vivemos, a janela de exibição em si não é mais o que dita as regras”, aponta a roteirista. Com a possibilidade de “universos expandidos” na criação, podendo-se adaptar conteúdos de literatura, quadrinhos ou teatro para cinema e televisão isso sem contar a internet, é fundamental que o profissional compreenda a linguagem, o formato e as possibilidades de interação de cada um desses meios e saiba propor o tipo de conteúdo que funcione melhor para cada mídia.
As Janelas de Exibição
Além das possibilidades de transversalidade, as plataformas onde os programas podem ser exibidos são inúmeras e incluem não apenas a TV, mas video-on-demand (VOD) e over-the-top content (OTT), streaming (por exemplo, em sites como Netflix), YouTube e redes sociais. Isso é válido para o conteúdo adulto e ainda mais para o infantil, cujos espectadores já nasceram sob a égide da multiplataforma.
“A coisa toda se retroalimenta. Você conta uma história no episódio que passa no canal linear, então faz vídeos exclusivos mais curtos, que só o assinante do aplicativo do canal pode consumir, com informações extras que aumentam o entendimento da história. Também pode fazer vídeos curtíssimos no estilo boomerag, para promover em redes sociais, ou em formatos distintos – como desafios e tutoriais, que são típicos da internet. É muito material a ser produzido, por isso não dá para economizar ideia”, completa Joana.
Dá pra criança assistir tanta televisão?
No entanto, há quem critique o excesso de televisão à que crianças são expostas nos dias de hoje. Tendo em vista essa realidade, como se sobressair e produzir um conteúdo que os pais queiram mostrar aos filhos? “A intensidade de consumo de TV e afins é uma questão que será decidida pelos pais, mas os roteiristas têm o compromisso de gerar um bom conteúdo sempre”, observa a professora. A questão está na pergunta: bom para quem? Afinal, dependendo da faixa etária, nem tudo o que é interessante para os pequenos tem o mesmo conceito na visão dos adultos.
As profissionais dão a dica: para crianças em fase pré-escolar, de 2 a 4 anos, são os pais, sim, que decidem quais canais os filhos podem assistir. Essa é uma fase na qual o conteúdo educativo é mais comum, mais aderente e mais importante. “Já na faixa dos 6 a 10 anos, se você quiser ser educativo vai acabar encontrando uma resistência muito maior”, ressalta Joana, acrescentando que, nessa idade, a criança já tem mais autonomia e quer escolher por conta própria aquilo que irá consumir. “Normalmente, o que ela mais quer é rir. O problema é que costuma achar graça em várias coisas que talvez os pais preferissem que ela não visse: piada de pum, arroto, melecas, zoeiras em geral.”
Um canal de televisão comercial vive de audiência. Logo, ele faz tudo para agradar a criança. Contudo, se algum programa passar dos limites, os pais podem proibir seus filhos de assistirem e até mesmo processar a emissora. Por isso, o suporte pedagógico é fundamental na hora de dosar as brincadeiras ou piadas. “Aprendi no Gloob que existe uma diferença muito grande entre valores e bons modos”, relata Joana, que nessa experiência foi entendendo as melhores formas de criar conteúdos com bons valores, mas que não parecessem didáticos – eles estão lá, dentro da história, só que de forma divertida.
Naturalmente, existe a questão de que dramaturgia é conflito e, se os personagens forem 100% bonzinho, não existe história. Isso quer dizer que as atitudes deles podem ser questionáveis, mas sempre precisa haver algum tipo de punição ou aprendizado com os erros. “O que nunca podemos ter é uma personagem fazendo algo condenável, que nossos telespectadores não devem reproduzir em casa, como machucar um amigo”, orienta a roteirista.
Na verdade, as profissionais destacam que também faz parte do aprendizado – mas, nesse caso, dos adultos – simplesmente relaxar e deixar a criança ser criança. “Os pais também podem rir de bobeiras e de coisas nojentinhas, sem levar tanto a sério, porque não vai ser uma piada de pum que fará dos seus filhos seres humanos piores”, completa Joana.
Nesse sentido, de que maneira funciona o trabalho dos roteiristas em conjunto com os profissionais de pedagogia? “Quando iniciamos uma série, fazemos uma apresentação para nossa pedagoga e ela lê todos os roteiros, avaliando-os conforme os parâmetros definidos”, relata Joana. Muitas vezes, são realizadas reuniões, para lidar com questões pontuais – por exemplo, morte ou namoro. A ideia não é blindar as crianças para a realidade do mundo, mas compreender a maturidade de cada faixa etária e sua capacidade de digerir as informações, sabendo quais as melhores formas de abordar ou apresentar determinados assuntos.
O que os roteiristas precisam ter em mente é que, no fim das contas, as narrativas infantis são espaço de muita liberdade criativa e humor. Joana, Renata e Clara escrevem para televisão há vários anos e atuam no mercado audiovisual voltado aos jovens porque acreditam que podem fazer a diferença. Mais do que um modo único de contar histórias, escrever para crianças é também formar uma nova geração de espectadores, pensadores, líderes e artistas. É trabalhar todos os dias com um olhar no futuro.