Cristiano Burlan fala sobre a presença do trágico em sua filmografia
Cristiano Burlan foi o terceiro convidado da 17ª Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema (AIC). O diretor, que foi aluno da primeira turma da AIC, ainda em Curitiba, falou sobre sua relação com a morte e a transposição dessas experiências para o cinema.
A noite, que começou com a exibição do longa-metragem Ensaio sobre o fracasso (2020), foi marcada pelo diálogo sobre o incômodo de lidar com o trágico. Ao longo do encontro, o diretor da Trilogia do Luto – Construção (2006), Mataram Meu Irmão (2013) e Elegia de um Crime (2018) – série de filmes sobre as mortes do pai, do irmão e da mãe de Burlan, falou sobre como sua produção cinematográfica aborda a consciência da finitude das coisas.
Uma filmografia que, de acordo com Burlan, busca gerar debates e não diz respeito apenas a sua história, são pontos de partida para falar de histórias do mundo. “O filme do meu irmão não é sobre o meu irmão, mas sobre os muitos irmãos que são assassinados nas periferias brasileiras. O filme do meu do meu pai, não é sobre, mas sobre trabalhadores invisíveis. O filme da minha mãe, não é sobre a minha mãe, mas sobre feminicídio“, ponderou o diretor, lembrando que a cada seis horas uma mulher é assassinada no Brasil.
Burlan, que parte de histórias reais para criação de seus filmes, afirmou que ao fazer a Trilogia do Luto, passou dez anos fazendo filmes que ninguém gostaria de assistir. Ainda assim, não se ressente disso, pois acredita que a crueldade retratada em seus filmes está dada no dia a dia. “A vida nem cabe em um filme, é muito mais assustadora”, analisa.
Ao ser questionado se seus filmes são tratados por ele como um tipo de terapia, o diretor afirmou veementemente que não, “Eu não gosto de gente curada, gente curada é chata. Eu não quero me curar.” Burlan, prefere tratar seus trabalhos como a forma que encontrou para deixar viva as memórias dessas pessoas. “A gente nasce sabendo que vai morrer, mas não pensa nisso. Quando ela vem, vem o luto, e cada ser humano reage de uma forma. Só que o corpo é muito inteligente e, para seguirmos vivendo, aos poucos nossa memória vai desvanecendo. Os filmes são a minha defesa em relação à morte.”, relata.
Mesmo assim, Burlan reconhece a delicadeza de abordar esses assuntos no cinema. Ao responder uma pergunta sobre como retratar uma tragédia sem parecer que se está explorando comercialmente esses eventos, o diretor responde: “acho que há uma linha muito tênue. Essa relação ética e moral é sempre uma questão no documentário. No meu caso, eu estou falando sobre a minha família, se não puder eu falar da minha família, não sei o que posso dizer”, finaliza.
Texto Estefania Lima
Foto Fernanda Muller