O Curso de Roteiro de Humor da Academia Internacional de Cinema (AIC), reuniu em um só lugar, alguns dos maiores roteiristas de humor do Brasil e profissionais da área: Fernando Aragão – há 20 anos trabalha com humor, é roteirista da TV Globo desde 2006, onde começou como roteirista do Casseta & Planeta, escreveu para o antigo Zorra Total e continua à frente do novo Zorra; Haroldo Mourão – é roteirista da TV Globo há 18 anos e também escreve o programa humorístico ZORRA. Foi redator do programa Casseta & Planeta e trabalhou na revista e no site do grupo; Renata Mizrahi – formada em Artes Cênicas e cinema, ganhou vários prêmios por suas performances e foi indicada a outros tantos com seus textos. Fez parte da equipe de roteiro do programa inédito para GNT, da atriz Fernanda Torres “Minha Estupidez” e escreveu a Segunda Temporada da Série “Homens São de Marte, é Pra Lá que Eu Vou” do canal GNT; Ricardo VR – desde 2014 também compõe o grupo que escreve o novo Zorra. Na TV Globo desde 2006, já foi roteirista de programas como Casseta & Planeta, do seriado Batendo o Ponto e do antigo Zorra Total; Vinicius Antunes é especialista em análise de Programação da Rede Globo, trabalhou como parecerista de humor e com adequação à classificação indicativa de programas como A Grande Família, Pé na Cova, Sai de Baixo e Zorra Total. E hoje também faz parte do grupo de roteiristas do novo programa Zorra.
Confira a entrevista com esse time:
FERNANDO ARAGÃO
1. O que é piada pra você?
É um conceito extremamente amplo. Vai desde aquela anedota contada no meio do salão até o mero trocadilho que sai despretensiosamente na fila do mercado. Da gag visual curtinha até o texto crítico. Estão onde menos se espera. O discurso estapafúrdio de um político, por exemplo, pode conter inúmeras piadas, ainda que involuntárias.
2. Para escrever humor é preciso ter algum perfil em específico?
De jeito nenhum! Qualquer tipo de pessoa pode escrever humor. A restrição não é ao perfil, mas ao indivíduo. Todo mundo tem aquele amigo engraçadíssimo, contador de piada, mas que não consegue passar essa graça para o papel. Ao passo que existe o cara meio fechadão, de estilo “humor ranzinza”, que pode ser um roteirista de primeira.
3. Quais são as dificuldades e satisfações de ser humorista?
Uma das maiores dificuldades é ouvir de um desconhecido “!Ih, é humorista? Conta uma piada aí!”. O povo não entende que nem todo humorista é um bom contador de piadas. O humorista tem que estar ligado no que está acontecendo à sua volta, ter um olhar crítico e buscar sempre ser original.
Já a maior satisfação é a sensação de ser o porta-voz de uma verdade reprimida. Poder dizer algo que todo mundo quer, mas não é permitido. Botar os dedos nas feridas certas, não ficar apenas “chovendo no molhado”. O humor é a forma mais honesta do jornalismo. Quem representa melhor o povo? O repórter que pergunta para a rainha de bateria “como é que tá o coração” ou o humorista que questiona se ela perdeu o equilíbrio por causa dos 100ml de silicone a mais num peito do que no outro?
HAROLDO MOURÃO
1. O humor de televisão é muito diferente daquele das outras mídias, como as mídias sociais, um jornal, revista ou o ao vivo?
Sim, a TV talvez seja o meio de comunicação mais popular no Brasil ou o de maior alcance. Além de ter muita publicidade que muitas vezes também se utiliza do humor pra vender. A TV só “perde” um pouco pra internet onde a piada, seja em forma de meme, esquete ou viral, circula com muito mais rapidez. As outras mídias (jornais e revistas) perderam um pouco o espaço, mas já tivemos grandes publicações de humor (Pasquim, Planeta Diário, Casseta Popular, Chiclete com Banana, Revista Bundas, etc.)
2. Você sempre escreveu humor? Quando se descobriu engraçado?
Sempre gostei de humor. Desde a piada mais básica até o esquete mais sofisticado sempre me interessaram. Desde criança sempre consumi muita coisa: Quadrinhos, livrinhos de piadas de português, discos de piadas do Costinha e do Chico Anysio, programas de humor como TV Pirata e os filmes do Monty Phyton foram fundamentais na minha formação de…não diria de humorista, mas de roteirista.
Não sei se me descobri engraçado. Uma vez vi uma entrevista com o humorista português Ricardo Pereira e ele disse que não sabe se é possível ensinar humor, mas acredita ser possível aprender. Quando contei minha primeira piada e alguém riu, posso ter me achado engraçado naquela hora. Mas a verdade é que todo dia a gente aprende um pouquinho.
3. Existe limite para o humor? Se sim, qual é esse limite?
O limite do humor é que ele seja engraçado. Uma vez o John Cleese, um dos fundadores do Monty Phyton, disse que o politicamente correto apareceu para proteger as minorias que se sentissem ofendidas com qualquer tipo de piada e que os anos se passaram e hoje isso se tornou uma paranoia.
Concordo com a declaração dele, mas ao mesmo tempo, temos que pensar que vivemos no Brasil e nós não somos os Estados Unidos ou a Europa. Hoje, 2016, estamos vivendo uma onda extremamente conservadora, ao mesmo tempo que mulheres, gays, negros, ativistas pró-maconha, pró-aborto, pró-reforma agrária, estudantes e muitas outras pessoas lutam diariamente por direitos ou algum tipo de avanço social, tem suas causas constantemente menosprezadas e ridicularizadas, isso quando não são assassinados. Por isso, fico com a frase do Gregório Duvivier: Rir sempre do opressor e nunca do oprimido.
VINÍCIUS ANTUNES
1. Nem todos escrevem ou escreveram somente sobre humor, mas ministrarão um curso na área. O que é preciso ter para fazer humor?
Dificilmente as pessoas escrevem ou fazem apenas humor. Basta acompanhar os filmes e seriados clássicos de humor: Chaplin, Chaves, Seinfeld… Cabe citar algumas novas séries Modern Family, Louie, Legit, Love… Embora sejam todos produtos reconhecidos como de humor têm também em sua trama a melancolia, o romantismo, até mesmo a tragédia. O que há então é uma predominância do humor e não uma exclusividade do humor. Saber escrever humor é, antes de tudo, saber escrever. Tanto que, a maior obra de humor nacional é Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrita pelo romancista Machado de Assis que, dificilmente, será apontado por alguém como um humorista, embora também o seja.
2. Tudo pode ser motivo de piada? Se não, o que não é?
Sim, tudo pode ser motivo de piada. As consequências da piada, evidentemente, cairão sobre o humorista. Cabe lembrar que vivemos em uma sociedade repleta de tabus e desigualdades sociais, o que faz com que alguns temas sejam bem delicados. Uma piada pode ter graça em um contexto e ser odiada em outro. Entretanto, o humor negro está longe de ser uma novidade, se voltarmos aos textos de Aristófanes, veremos que estão repletos de piadas que hoje, mais de dois mil anos depois, ainda seriam mal vistas por grande parte da população.
3. Como você vê o futuro do humor no Brasil?
Sou formado em História e os historiadores sempre rejeitam qualquer tipo de vidência. Porém, arrisco fazer algumas projeções baseadas já nos dias de hoje: a) a consagração do humor como ferramenta para peças publicitárias; b) a profissionalização dos comediantes; c) a politização do humor e sua polarização em humor de direita e de esquerda ou conservador e liberal; d) a inserção de grupos marginalizados como protagonistas de comédia: negros, mulheres, gays… f) o humor de nicho: humor nerd, humor trans, humor futebolístico.
RICARDO SARKIS ALVES
1. Qual é o seu alvo preferido nas piadas?
Não sei se tenho um alvo preferido. O alvo é tudo que possa render uma boa piada. Claro que quando é possível fazer piadas atacando aquilo que mais nos incomoda, como a burocracia, o descaso das nossas autoridades, a situação política do país, isso é mais recompensador.
2. Qual sua inspiração para escrever os textos?
A vida real. Porém, mais do que uma inspiração, é uma referência. A inspiração só acontece depois de muito trabalho, muita leitura, muita observação do comportamento das pessoas e da sociedade e muita procura por notícias. Existe a famosa frase clichê, mas que é a mais pura tradução da realidade: “é muito mais transpiração do que inspiração!”
3. A comédia também pode ser uma ferramenta para a crítica? Se sim, como a utilizar?
Com certeza. O humor sempre foi um dos principais instrumentos de crítica da sociedade mundial. O humorista está ali para “vingar” o cidadão comum das mazelas do dia a dia. Devemos estar sempre atentos ao que mais nos deixa indignados para que consigamos atacar e deixar bem evidenciado o absurdo de tais situações.
RENATA MIZRAHI
1. Do que você não tem coragem de fazer piada?
No humor tudo depende.
Para mim o humor serve para causar reflexão. Ele joga luz sobre algum assunto e através do riso, nos faz pensar. Não faço piadas com questões que estão ligadas à violência contra uma pessoa ou duas pessoas ou a humanidade, ou humor em cima das minorias. Para mim isso não é humor, é bullying. tenho horror a esse tipo de humor.
Nas aulas vamos provocar o humor inteligente, o que faz pensar, o que tem camadas, que as pessoas se identificam por se sentirem no lugar do outro e com isso entenderem que não estão sozinhas nas inúmeras situações que vida nos coloca e que quando distanciados, rimos delas.
2. Quem escreve humor, ri de si mesmo?
Para mim sim. O autor de humor muitas vezes escreve baseado em suas experiências, ele potencializa situações que ocorrem com ele, portanto sabe tirar proveito e ri de si mesmo.
3. A comédia também pode ser uma ferramenta para a crítica? Se sim, como a utilizar?
Como disse acima, não só pode, como deve! Através de diálogos criativos, situações inteligentes, indiretas. Não podemos ser ingênuos. Para mim, a malícia é fundamental.
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