“Quando eu era criança, não havia colaboração; era eu com uma câmera dando ordens aos meus amigos. Na vida adulta, fazer filmes envolve a apreciação do talento das pessoas ao meu redor e a consciência de que eu nunca teria feito nenhum desses filmes sozinho.” (Steven Spielberg)
Fazer um filme, em primeiro lugar, é uma arte coletiva. Arte essa que exige muito planejamento e dedicação para ser concretizada. Quando vemos uma obra audiovisual na tela e mergulhamos na história, é difícil imaginar – como espectadores – todo o suor envolvido na criação e no desenvolvimento daquele trabalho. A máxima de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, tão popular na época do Cinema Novo no Brasil, soa até um pouco romântica quando se passa a conhecer todos os processos que fazem parte do fazer cinematográfico.
Passo a passo de um filme
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Ideia/Roteiro
A primeira coisa que se precisa ter em mãos, para começar a pensar em fazer um filme de longa-metragem, é uma ideia forte. O roteiro não é algo fixo, já que ele acaba sendo reescrito várias vezes durante o processo e só termina, de fato, na edição. No entanto, a essência da história, aquilo que vai atrair os talentos para participarem de sua execução, é algo que precisa ser extremamente cativante e bem definido desde o princípio.
O passo inicial é transformar a ideia em um argumento. Trata-se de um texto corrido, como uma espécie de redação, descrevendo o que acontece dentro da história. Para um longa-metragem, em geral o argumento tem em torno de dez páginas.
Em seguida, prepara-se a escaleta, uma versão mais detalhada do argumento, especificando cena a cena, como se fosse um pré-roteiro – mas ainda sem diálogos. É um verdadeiro “esqueleto”, que permite visualizar a história em sua estrutura, para depois preenchê-la com mais informações.
Tanto o roteirista quanto o diretor (muitas vezes, as funções se misturam) precisam estar cientes de que serão necessárias diversas versões de um mesmo roteiro até que ele esteja “maduro”, pronto para ganhar um edital e ser patrocinado para sair do papel. Independentemente das fontes de recurso, o trabalho de escrita do roteiro é sempre o primeiro passo na cadeia de produção de um filme.
Outro detalhe importante é que um roteiro pode ser original ou adaptado. No caso de uma adaptação, se o roteirista não for o autor da história na qual o filme se baseia, é necessário também possuir os direitos dessa obra – que podem ser vendidos ou cedidos. Nessas situações, algumas vezes o próprio autor participa da construção do roteiro, como co-roteirista ou consultor. Veja quais são os 9 passos que roteirista profissionais utilizam, com modelos e exemplos de download.
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Planejamento/Pré-Produção
Com o roteiro em mãos, começa o planejamento. Essa é uma fase que só acontece com a presença de uma pessoa responsável pela produção. já que envolve uma série de passos de ordem prática e logística. Cada produtor tem seu método específico de trabalho, mas a disciplina e a organização são essenciais.
Orçamento e cronograma
Planejamento é a palavra que define uma pré-produção bem feita. Esse é o momento de preparar tudo o que será necessário para ter uma base sólida na hora de filmar. Na preparação, são traçados dois dos planos mais importantes para uma produção bem sucedida: orçamento e cronograma.
Para o orçamento, o importante não é ter muito dinheiro, mas saber estabelecer as prioridades do projeto e estar preparado para adaptar o filme aos recursos disponíveis.
Com relação ao cronograma, também não é preciso ter muito tempo, mas saber administrá-lo e concentrar as energias em uma logística que funcione, antecipando os eventuais problemas que poderão se tornar fatores de atrasos para o filme.
Uma das formas de começar a prever essas demandas do roteiro é justamente estudá-lo com muito cuidado, fazendo anotações e levantando todas as necessidades do filme, em uma espécie de decupagem de produção. Vale também consultar o diretor para esclarecer dúvidas e iniciar as conversas com os cabeças de equipes, em especial os responsáveis pela arte e fotografia.
Planilhas são as “melhores amigas” de um bom produtor. O método de colocar tudo no papel permite à produção visualizar melhor as cenas e suas respectivas dinâmicas. Cada filme terá características especiais e, consequentemente, desafios diferentes de outros trabalhos. A tarefa do planejamento é imaginar como a história pode ser executada e prever os obstáculos que aparecerão no meio do caminho.
Imprevistos sempre acontecem. Nessas horas, a criatividade, o jogo de cintura e a agilidade são valiosas, principalmente para o diretor e o produtor. Com pouco tempo e muita pressão, será preciso analisar problemas e pensar nas melhores soluções. Quando isso acontecer, a dica dos profissionais é não buscar culpados, mas manter a calma e ter consciência de estar fazendo seu melhor, sejam quais forem as circunstâncias.
Escolhendo a equipe
O cineasta Lenny Abrahamson certa vez afirmou que “uma boa parte do fazer cinematográfico é juntar um grupo de pessoas com as quais você consegue trabalhar”. Montar uma equipe pode parecer algo simples, mas é crucial que todos estejam entrosados e trabalhem em conjunto.
Os primeiros a integrarem a equipe, em geral, são o roteirista, o diretor e o produtor. Em seguida, é comum que já se inicie a seleção de atores. Normalmente, em longas-metragens, dois ou três dos atores principais funcionam como “mecanismo de atrativo”. Eles são escolhidos mais por uma questão de mercado e reconhecimento do que exatamente por testes de elenco.
Há projetos em que essa escolha se baseia no processo natural de casting, isto é, testes em que diversos atores são chamados, recebem uma cena do filme e precisam interpretá-la – muitas vezes em frente a uma câmera. Para isso, existem profissionais especializados e produtoras de elenco que podem facilitar o trabalho. Contudo, alguns cineastas preferem não fazer esse tipo de teste, porque acreditam que o desempenho do ator varia muito de acordo com o dia e a situação.
Muitos diretores/roteiristas já pensam no filme com um ator em mente. Nesse sentido, é importante que os realizadores estejam sempre por dentro do que acontece no universo das artes cênicas, vendo outros filmes (longas ou curtas), séries de TV ou peças de teatro. Trabalhar com alguém que você já admira e cujo trabalho conhece pode ser um ótimo ponto de partida.
Paralelamente ao trabalho com os atores, são contratados os demais profissionais (ou, pelo menos, os chefes das equipes de cada área), que passam a dialogar com o diretor para traçar os rumos conceituais dos diversos departamentos envolvidos no processo – incluindo arte, fotografia, som e edição; afinal, o cinema não se faz apenas com diretor e ator.
Ensaios
Outro ponto que não deve ser deixado de lado na pré-produção, no que diz respeito à equipe, são os ensaios. A frequência desses encontros presenciais, em um longa-metragem, é decidida de acordo com a agenda dos atores e do diretor. Em geral, inicia-se com uma leitura conjunta do roteiro, seguida por discussões sobre os personagens. Cada um traz suas ideias e sugestões, que podem ou não ser acatadas pelo diretor.
Há cineastas que preferem desenvolver cada personagem separadamente e apenas depois de um tempo fazer ensaios com todos juntos. De todo modo, será necessário que os atores treinem exaustivamente as ações, as falas, os gestos, cada detalhe que compõe o universo da pessoa que estão interpretando, para que essa personificação seja orgânica.
Não existe uma linha de pensamento que diga o que é o melhor a fazer, nessa fase, porque cada diretor tem seu método e seu processo de trabalho. Além disso, cada filme é diferente do outro e requer novas soluções. Mas é sempre interessante reservar alguma verba de pré-produção para os ensaios, pois esse é um momento no qual o diretor pode estabelecer uma relação de confiança, respeito e admiração com o ator.
Estética
Ainda na pré-produção, entram as definições estéticas do filme, especialmente aquelas relacionadas à direção de arte e de fotografia. Além de ajudar o diretor no processo de visualização da obra que está sendo produzida, esse planejamento conceitual evita surpresas desagradáveis na filmagem ou, o que é ainda mais importante, na pós-produção.
As definições relativas à direção de arte abrangem escolhas de locações, cenários, objetos de cena, figurinos e maquiagem dos personagens. Para que essas decisões sejam tomadas, o diretor geralmente informa as referências visuais que pretende tomar como base e, a partir disso, o diretor de arte faz suas contribuições. Essa pesquisa de inspirações é muito importante para fundamentar o processo, permitindo que as ideias sejam comunicadas em forma de imagens.
Já a preparação dos elementos e dos conceitos de cinematografia (ou direção de fotografia) envolvem a escolha dos equipamentos que serão utilizados no filme (câmera, lentes, maquinário) e o tipo de iluminação que se pretende fazer. É importante que o diretor tenha conhecimentos básicos sobre fotografia, uma vez que ela cria a atmosfera da história. Também é preciso testar os equipamentos, para ver se as imagens resultantes correspondem àquilo que o diretor tinha em mente.
Tanto a arte quanto a fotografia dependem muito das locações, por isso os locais de filmagem devem ser determinados ainda na fase da pré-produção. Os profissionais visitam esses lugares, analisam suas possibilidades e os fotografam, não só para se familiarizarem com cada ambiente, mas também para poderem oferecer soluções ou adaptações à decupagem, caso não seja possível executá-la de acordo com o que o diretor imagina.
Decupagem
Uma das funções mais determinantes da direção, durante a pré-produção de um longa-metragem, é a decupagem das cenas. É uma espécie de “desenho do filme”, no qual o diretor vai determinar o que será visto na tela (enquadramentos, posições de câmera, ângulos e movimentações, etc). Há diretores, no entanto, que preferem trabalhar com uma câmera mais “solta”, deixando essas definições para o set e trabalhando de maneira mais livre, quase improvisada.
Se você é um bom desenhista, pode arriscar até a fazer seu próprio storyboard. Nesse sentido, conhecimentos das técnicas de narrativa de histórias em quadrinhos ajudam bastante a “pensar em imagens”, já que as duas coisas se assemelham um pouco. Alguns diretores fazem seu storyboard com fotos ou imagens de referências, até mesmo trechos de filmes. O importante é conseguir transmitir ao resto da equipe o que se imagina para cada cena – tendo ciência, naturalmente, de que a decupagem pode mudar no decorrer da produção.
Dica: Existe um aplicativo para iPhone, o Artemis Director’s Viewfinder, que permite tirar fotos no celular com filtros que simulam as especificações de câmera e lente que você irá usar no filme. Assim, seu photoboard fica um pouco mais próximo do produto final, o que facilita a visualização de algo semelhante ao que será seu projeto, antes mesmo de começar a filmá-lo.
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Filmagem/Produção
“O fazer cinematográfico, para mim, é sempre ir em direção ao filme imaginário e nunca conseguir alcançá-lo”, afirmou o cineasta Peter Jackson. São palavras de um diretor experiente, que já encarou muitos imprevistos e que também aprendeu a falhar com dignidade.
A obra que está na imaginação dos realizadores é perfeita, idealizada, mas a realidade que se encontra em um set de filmagem nem sempre (aliás, quase nunca) é exatamente aquilo que se espera. Por mais que se planeje e prepare na pré-produção, o inesperado faz parte do cinema. A arte também precisa dar espaço para a magia acontecer.
Mas não há encanto que sobreviva a um ambiente de trabalho desorganizado, com profissionais perdidos, não é mesmo? Por isso, quando chega o dia da gravação de um longa-metragem, todos os departamentos devem estar preparados e afinados para executar seus respectivos trabalhos: o produtor e sua equipe, o diretor de fotografia e seus assistentes, o diretor de arte e seus assistentes, o responsável pelo som direto, o assistente de direção, os atores. Cada profissional tem seu papel a desempenhar, todos guiados pelo diretor.
Antes que se possa gritar aquele famoso bordão do cinema (que diretor não adora falar “ação”, não é mesmo?), o cenário precisa estar arrumado, a câmera posicionada no lugar certo, a iluminação preparada, os atores devidamente ensaiados. É importante, ainda, que o diretor possa dispor de um monitor (se possível, também com som direto), para “ver o que a câmera está vendo” e acompanhar a filmagem no momento em que ela está acontecendo, podendo decidir se é necessário fazer tomadas adicionais ou se o material captado está dentro do que deseja.
O assistente de direção também é um profissional indispensável no set, que precisa ter tranquilidade para lidar com os problemas que porventura surgirem, administrando e solucionando o que for possível, pensando com clareza e sem buscar apontar culpados. Ele (ou ela) precisa ser uma pessoa organizada e ágil, que realmente faça as coisas andarem.
O fato é que, se todos se prepararem e estiverem conscientes do trabalho que devem fazer, se puderem contar com uma boa pré-produção e se mantiverem calmos, com certeza tudo correrá de maneira excelente, mesmo quando surgirem situações inesperadas – que, aliás, são absolutamente normais. Até os profissionais mais experientes sentem ansiedade e insegurança às vezes.
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Montagem/Pós-Produção
Existem duas áreas de conhecimento essenciais para quem quer dirigir um filme: fotografia e montagem. Um diretor que tem mente de montador já está um passo à frente. Por quê? A edição é onde o filme começa a tomar forma, onde ele se define em seu aspecto final, ganhando os contornos da obra audiovisual que será vista pelo público.
Para os diretores que possuem boas noções de edição, fica mais fácil prever que imagem vai montar de maneira adequada e qual é a cobertura necessária para ter boas opções na pós. Outra habilidade de quem conhece a fundo o processo da montagem é o desapego para descartar planos desnecessários e exercitar a concisão, literalmente cortando do filme aquilo que não funciona tão bem assim.
Mas, mesmo que seja um expert na área, também é preciso que o diretor saiba respeitar o trabalho do editor, sem interferir no seu processo criativo. Em geral, a pessoa responsável pela montagem recebe as imagens brutas e, num primeiro corte, apenas coloca em ordem os planos (aqueles assinalados pelo diretor como os melhores). O diretor assiste essa versão, faz seus comentários e sugestões, então o montador volta a trabalhar e propõe um novo corte. Assim, as cenas vão sendo lapidadas até o momento em que o diretor considerar que o filme está do jeito que tem de ser. Mas a relação, grosso modo, é quase como um casamento. Precisa existir parceria, harmonia e sintonia entre a duas partes, para que o material que sair da sala de edição seja o melhor possível.
Muitos encaram a montagem como um recomeço para o filme, já que ela pode destruir algo que começou bem, manter o nível daquilo que foi filmado ou até mesmo salvar uma história que não parecia lá grande coisa. Nessa fase, o conselho dos profissionais é ter tranquilidade e bom senso na tomada de decisões: o filme será linear ou não? Qual é o ritmo da narrativa? Quais são as cenas que ficarão da fora?
Concluída a edição, o filme passa pelos processos de mixagem de som, correção de cor, inclusão de efeitos especiais (se for o caso) e finalização, com a copiagem para envio a festivais de cinema e posterior distribuição em salas de exibição. Como vivemos em uma era digital, muitos aspectos do fazer cinematográficos se tornaram mais simples e podem ser realizados com um bom computador, mas também há empresas especializadas que realizam esses processos.
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Festivais/Distribuição
Quando o filme estiver finalizado, como impulsionar sua carreira no mercado? Quais as melhores estratégias de distribuição? Vale a pena buscar reconhecimento com uma trajetória em festivais? São muitas as perguntas que passam pela cabeça de um cineasta, principalmente se ele não tiver muita experiência de mercado.
A recomendação dos profissionais é tentar uma carreira em festivais de cinema, sim. Embora seja um processo desgastante, já que o filme pode não ser aceito, são esses eventos que acabam alavancando a carreira de alguns diretores, cujos filmes ganham uma visibilidade que não teriam de outras formas.
A carreira de um longa-metragem é um pouco melhor, no que diz respeito à distribuição. Se o filme for visto em um festival e interessar a alguma distribuidora, ele pode ser exibido em cinemas, para um público mais amplo, e recuperar um pouco do investimento com a renda da bilheteria. Entrar em cartaz no circuito comercial também amplia as chances de um cineasta ser contratado para novos trabalhos – uma série de TV, por exemplo. Dirigir um longa faz com que a indústria tenha um pouco mais de respeito pelo profissional. É como uma prova de sua capacidade, o que gera novas oportunidades.
*Texto e pesquisa: Katia Kreutz
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Fontes:
Professores da Academia Internacional de Cinema: Pedro Jorge, Vitor Levy, Teresinha Cipolotti