Em abril de 2019, diversos cineastas do país tomaram a palavra nas redes sociais para denunciar uma tentativa de desmanche ou ameaça à participação do cinema brasileiro nos festivais internacionais.
Um dos primeiros a dar voz a essa estratégia foi o diretor de “Bye Bye Brasil“ (1979), considerado um dos longas mais importantes da história do nosso cinema. Segundo Cacá Diegues, a cultura no nosso país “deixou de ser um projeto de Estado para se tornar um projeto de governo”, o que, na opinião do diretor, é péssimo para o cinema e para todos os ramos artísticos.
Mas será que existem motivos para os sucessivos cortes de orçamento e modificações em leis e editais que beneficiam a cultura no país? Qual é o custo financeiro e social do cinema brasileiro e como ele retorna benefícios à sociedade?
Neste artigo, vamos tentar responder a algumas dessas questões. Para tal, examinaremos a performance dos filmes brasileiros em eventos internacionais recentes, em especial no Sundance e no Festival de Berlim. Continue a leitura!
O cinema brasileiro nos festivais internacionais
Qualquer apreciador da Sétima Arte sabe o que representa o Festival de Sundance, um dos mais importantes do mundo. A edição de 2019 do evento, realizada no estado de Utah, nos Estados Unidos, selecionou 4 produções brasileiras para figurarem entre seus 12 filmes concorrentes.
A quantidade expressiva dos filmes nacionais não é novidade na história do festival. O evento, fundado em 1978 pelo ator Robert Redford, já premiou 9 filmes brasileiros e contou com incontáveis selecionados do país.
Entre os premiados, podemos citar “Central do Brasil” (1996), “Amores Possíveis” (2001) e “Que Horas Ela Volta”? (2015), apenas para ficar com alguns dos mais recentes.
No Festival de Berlim, em 2019, Eliza Capai foi premiada pelo longa “Espero a Tua (re)Volta”. Já “Bixa Travesti“, de Cláudia Priscilla e Kiko Goifman (professor da AIC), foi agraciado como melhor documentário com temática LGBTQI+. Na mesma temática, o filme “Tinta Bruta”, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, foi premiado como melhor longa.
Esses são alguns números que ilustram o sucesso das nossas produções no exterior. Mas e quanto ao retorno do dinheiro público aplicado em projetos e entidades financiadoras do audiovisual? É sobre esse assunto que vamos tratar a seguir.
O retorno dos investimentos no audiovisual
A Lei Rouanet, alvo preferido das investidas do governo federal, não se aplica à produção cinematográfica brasileira. Esse setor tem um fundo próprio, apelidado de Lei do Audiovisual pelos artistas, mas cujo nome técnico é Fundo Setorial do Audiovisual.
Operado pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), o fundo concede isenção fiscal a empresas em troca de apoio financeiro a filmes nacionais, entre outras ações. Essas empresas, ao patrocinarem os artistas, ganham também com publicidade, uma vez que seu logotipo é exibido nas produções que ajudaram a financiar.
Segundo artigo da Revista Exame, as oportunidades de ganhos ao apostar nas produções cinematográficas nacionais não param por aí. Também é possível conseguir participações em lucros advindos de sua exibição e venda.
Tantas opções de faturamento não são à toa: o audiovisual brasileiro gera empregos e movimenta a economia. Segundo o site de notícias G1, em 2017, a Lei do Audiovisual alcançava um retorno de R$5,00 para cada R$1,00 investido, além de empregar 250 mil pessoas.
Para que você tenha uma ideia da grandeza desses números, isso significa dizer que há mais empregos e geração de renda por meio do cinema do que pelas indústrias têxteis ou farmacêuticas brasileiras.
O que faz a Agência Nacional do Cinema (Ancine)
A Ancine é um órgão subordinado ao governo federal. Sua função é de agência reguladora das produções audiovisuais do país. Ela tem como atribuições, portanto, fomentar, regular e fiscalizar as obras cinematográficas e audiovisuais no geral.
O órgão foi instituído em 2001, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, a Ancine adquiriu autonomia administrativa e financeira.
A Agência participa ativamente da seleção e da indicação dos filmes que concorrem a premiações dentro e fora do Brasil. Ademais, uma iniciativa adotada em 2019 deu vida ao Registro de Participação e Premiação em Festivais (RPPF). Como o nome indica, ele mantém informações sobre as produções e seus detalhes técnicos, por exemplo, minutagem e formatos.
Como os cortes de verbas comprometem as participações
A principal função do RPPF é desburocratizar a participação nos editais, mantendo um banco de dados em que exista um cadastro único para todos eles. Posteriormente, é feita a adequação das propostas artísticas aos editais considerados mais semelhantes.
Com o corte dos apoios financeiros realizado recentemente — que afeta tanto a Ancine quanto a Lei do Audiovisual —, os artistas perderam o acesso a esse processo acelerado e também a diversos outros benefícios, como é o caso do Prêmio Adicional de Renda e do Programa de Incentivo à Qualidade.
Além disso, a agência também oferece incentivos financeiros para que produções nacionais participem de diversos festivais fora do país. Sem esses incentivos, pode acontecer de um filme ser selecionado e não conseguir custear suas despesas de participação em eventos no exterior.
Uma coisa é certa: o cinema nacional realmente promove retorno social e financeiro ao país. Como demonstrado ao longo deste artigo, ele gera renda para milhares de pessoas, movimenta a economia do setor artístico e produz riqueza cultural e financeira para o Brasil. Logo, motivos não faltam para que os investimentos na área retornem a todo vapor. Enquanto isso não acontece, os artistas seguem buscando a iniciativa privada para custear as suas despesas.
Por fim, destaca-se que, embora seja também um negócio lucrativo para o setor privado do país, o cinema é um investimento de ouro para o Estado e, enquanto bem cultural, um direito da população brasileira.
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