Em “Piano Forte”, a resistência transpira, seja pela história em que o músico amador e autodidata Maurício Maia sai do subúrbio da baixada fluminense, em uma longa viagem até o centro do Rio de Janeiro, em busca de pianos abertos ao público, para que possa tocar. Seja pela linguagem e narrativa, que convidam à reflexão sobre o acesso à cultura, as desigualdades de oportunidade e o esforço individual de quem sonha em viver de arte.
“‘Piano Forte’ tenta de alguma forma abafar as vozes do preconceito e convida a olhar para ‘o outro’. Propõe o deslocamento do olhar para a periferia, onde muitos cidadãos comuns resistem a diversos tipos de violência, incluindo a que a própria sociedade tem instituída. Maurício, jovem negro da periferia, quer ser feliz, compor música, direcionar o seu trabalho para a dança. Ele busca isso, procura pianos que o ajudem a aprimorar a sua técnica. Ele é um resistente”, diz Anabela Roque, aluna do FILMWORKS – curso técnico em direção cinematográfica da Academia Internacional de Cinema – e diretora do documentário.
Anabela conta que a proposta era representar o confronto do indivíduo na sua missão – perseguindo suas aspirações – e o espaço urbano representativo da sociedade com as suas normas, desordens e paradigmas. “Os momentos que expressam a sua busca nos conduzem pelo espaço urbano e pelas suas desigualdades numa cidade que continua ‘partida’. Procuramos assim mostrar, de modo transversal, as conexões possíveis – ou a ausência delas – entre diferentes mundos, trazendo à discussão a realidade social brasileira”.
Estreia Nacional e Internacional
O filme terá sua estreia internacional no 26º Arizona International Film Festival, um dos festivais de filmes independentes mais importantes dos Estados Unidos, que esse ano exibe 70 curtas-metragens de 19 países. A exibição de “Piano Forte” será no dia 27 de abril, às 18h, na cidade de Tucson.
A estreia nacional foi no Iguacine – 5º Festival de Cinema da Cidade de Nova Iguaçu onde recebeu a Menção Honrosa do júri que parabenizou a equipe pela “originalidade com que aborda a questão do trânsito entre territórios, valorizando uma figura emblemática para cena cultural da Baixada Fluminense, o músico Maurício Maia”.
Cinema – Uma arte Coletiva
Anabela ressalta que nada disso seria possível sem o engajamento de toda a equipe, composta pelos (também) alunos da AIC: Ana Clara Nini Cartaxo (direção de fotografia e montagem), Eduardo Kozlowski (direção de fotografia), Silvana Didonet (produção e som direto), Camila Macário (assistente de produção e assistente de som), Nicolas Bastos (2˚Assistente de Produção) e César Augusto Moura (2˚ Assistente de Som).
Além dos companheiros de filmagem, fez questão de ressaltar os professores Bebeto Abrantes, Vinícius Reis, Waldir Xavier, Rodrigo Sacic, Fabian Boal, Livia Arbex, Gisela Câmara e Isaac Pipano, que orientaram todo o processo.
Tudo começou com a ideia de pesquisar as relações que se estabelecem à volta de um piano que qualquer um pode tocar, num espaço público e a ideia inicial era falar sobre um piano que se encontrava aberto na Caixa Cultural, no Centro do Rio de Janeiro. “A intenção era falar do piano como elemento aglutinador de ‘personagens’, impulsionador de laços afetivos e troca de vivências através da música. Queria sobretudo, mostrar um exemplo de acessibilidade à cultura num momento em que, politicamente, se restringem oportunidades”, conta Anabela. Mas, como tratando-se de documentário nada é efetivo, o piano foi desativado na época das pesquisas e assim, o projeto tomou um novo rumo: fazer um filme sobre os usuários dos pianos e entre essas pessoas estava o Maurício Maia e sua impressionante história.
A Produção: resistir e construir
Durante a entrevista Anabela cita o realizador português Pedro Costa: “Uma das pedras fundamentais do fazer cinematográfico é a resistência, resistir a tudo. Resistir ao medo” – Ao acompanharmos o trajeto de Maurício – que é um resistente – na sua busca, a equipe também resistiu com ele. Foi uma experiência muito rica”.
Sobre a fotografia Anabela conta que usaram planos abertos para explorar os espaços, e, dentro deles, o deslocamento do Maurício, respeitando seus posicionamentos e que, além disso, buscaram retratar o confronto do indivíduo com o espaço urbano. “Houve também um aproveitamento da luz natural para trabalhar os contrastes, silhuetas e sombras, o que permitiu uma linguagem visual particular que, de alguma forma, entra num universo mais poético”.
Portuguesa Carioca
Anabela é portuguesa de nascimento, mas viveu anos na Espanha, onde cursou jornalismo, especializou-se em produção audiovisual e trabalhou com produção musical. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 2013 e hoje estuda direção cinematográfica na AIC. Já produziu o curta “Nisiano” do aluno Daniel Caó e fiz assistência de direção no filme “Último Ato”, de César Augusto Moura.
Acredita num cinema que ajuda a compreender o entorno e que represente alguma forma de resistência e gosta particularmente do gênero documental. “Gosto de filmes que resistem por si só, sobretudo quando o fazem fora do circuito comercial. Partilho a opinião de Pedro Costa que diz que um filme é para nos fazer pensar, e ter ideias diferentes sobre as coisas”, conta.
A torcida, aqui na AIC, é para que “Piano Forte” resista e espelhe sua arte em uma longa carreira nos festivais afora.
Ficha Técnica Completa
Direção, argumento original e pesquisa: Anabela Roque
Direção de fotografia: Ana Clara “Nini” Cartaxo e Eduardo Kozlowski
Montagem: Ana Clara “Nini” Cartaxo
Produção: Silvana Didonet e Anabela Roque
Assistente de produção: Camila Macário
2˚Assistente de Produção: Nicolas Bastos
Som direto: Silvana Didonet
Assistente de som: Camila Macário
2˚ Assistente de Som: César Augusto Moura
Participantes: Maurício Maia, Lucas Alexandre e Flávia Safadi Ubaldo
Bailarinas: Laís Castro e Bella Mac
*Fotos Still do Filme