Academia Internacional de Cinema (AIC)

A documentarista Emília Silveira fala sobre ditadura, mecânica de produção e os silêncios que precisam ser aguentados

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“Quem quer ser documentarista precisa ter uma curiosidade inata, gostar de cavar, de ir além do que é dito, ter prazer em enfrentar desafios. Esse acho que é o primeiro requisito, falou Emília Silveira durante o bate-papo

Sabe aquelas pessoas que exalam humanidade? Seja pela forma como tratam o próximo, seja pela forma de falar e defender seus ideais, ou ainda pela escolha dos temas que a pessoa trabalha? Essa é a sensação que temos ao ouvir a documentarista Emília Silveira, ela inspira ética e humanidade. Emília esteve no último dia 15 na Academia Internacional de Cinema (AIC) para a 12ª Semana de Orientação. Chegou sem atraso, mesmo com o trânsito enlouquecedor do Rio de Janeiro e trouxe a tiracolo sua assistente e roteirista, Patricia Silveira, a quem sempre recorria para se certificar de uma ou outra informação que repassava.

Antes da entrevista para a comunicação da escola, feita sempre com os palestrantes convidados, ela colocou o microfone de lapela com intimidade e cumprimentou cada integrante da equipe: câmera, fotógrafo, repórter e produtora. Talvez por conta da carreira como jornalista, falou com tranquilidade e eloquência, quase sem precisar das perguntas que preparamos para ela.

“Quem quer ser documentarista precisa ter uma curiosidade inata, gostar de cavar, de ir além do que é dito, ter prazer em enfrentar desafios. Esse acho que é o primeiro requisito. Depois disso você precisa se preocupar com a memória. Não com a memória nostálgica, mas com a memória que é uma dinâmica do tempo presente, a memória que te dá a possibilidade de viver melhor o presente. É entendendo o passado que a gente entende melhor o presente”, falou Emília.

DOCUMENTÁRIOS E A DITADURA MILITAR

Em “Galeria F”, filme ainda inédito no circuito comercial, exibido no estúdio da AIC, Emília traz novamente a temática da ditadura, algo que já havia feito no seu documentário “Setenta” (2013). Ela conta a história de Theodomiro Romeiro dos Santos, preso político que sobreviveu à tortura e à prisão no regime militar. Em estilo road movie, o documentário foi gravado em sua maioria no interior da Bahia e refaz a rota da fuga de Theo da prisão, ao lado do filho Guga que, pela primeira vez, entra em contato com a verdadeira história do pai.

Também ex-presa política, a diretora conta que só trabalha com temas que entende e acredita. “Minha intenção é ir além dos estereótipos, mostrar a pessoa que se esconde na figura do militante, por exemplo. Com o momento que passamos no país é importante reviver tudo isso em filmes. Não dá para esquecer o que aconteceu no Brasil, o que é um golpe, o que é um regime autoritário, o que é você ser privado de liberdade”, conta.

Emília revelou muitas curiosidades sobre o filme, contou sobre quando conheceu o Theo e chegou a pensar que que não teria filme, pois ele era um personagem sisudo, que não queria muita exposição. Falou sobre como aos poucos foi bolando estratégias para desarma-lo e para retratar parte da história dele. “Foi aí que surgiu a ideia de fazer o caminho da fuga ao lado do filho, ele contando a história para o filho. Outra estratégia foi microfonar o Theo o tempo todo, gravávamos tudo o que ele dizia, mas claro, aí entra uma preocupação importante de quem faz documentário, as questões éticas ao selecionar o que você deve ou não usar no filme”.

MECÂNICA DE PRODUÇÃO

A documentarista também revelou como é o seu processo de produção, os parâmetros que segue em cada projeto.

OS SILÊNCIOS PRECISAM SER AGUENTADOS

Para finalizar Emília trouxe questões mais poéticas, falou sobre a importância dos silêncios nos filmes, em especial nos documentários. Contou da dificuldade que tem em aguentar os silêncios, esperar as respostas, sem tentar completar o que o entrevistado quer dizer. Mas confessou que aos poucos ela está aprendendo a lição: “Os silêncios precisam ser aguentados. É no branco que o filme funciona melhor”.

Foi assim com a cena de Theo na cela em que ficou preso. O silêncio dominou a cena. “No dia em que a gente gravou, fomos eu, o câmera e o menino do áudio. Entrei no canto da cela e não falei nada. Não perguntei nada, não fiz nada, apenas fiquei quieta, segurando a mão do câmera. E aí, ele fez o que ele fazia sempre: começou a andar, andar, andar e andar”, conta.

E ao fim, depois das perguntas e da última fala de Emília, a plateia, renovada e cheia de gás, saiu entre suspiros e silêncios.

*Fotos Ricardo Aleixo

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