Diogo Noventa estreia seu longa-metragem no Festival de Brasília
Quem nunca ouviu falar na antiga Febem, hoje Fundação Casa? As denúncias de torturas e maus-tratos aos adolescentes que lá viviam são conhecidas nacional e internacionalmente, mas e as histórias contadas pelos próprios adolescentes, alguém conhece?
Diogo Noventa é professor de Direção do curso Filmworks da Academia Internacional de Cinema (AIC), e como professor, pesquisador e artista está sempre em busca de “temas que desestabilizem o sistema”, como diz ele. Por isso, decidiu fazer um filme dentro da Fundação CASA, “que teve como impulso falar da violência, desconstruindo a criminalização da pobreza, entendendo a violência como um problema político e não apenas social” comenta Diogo. São histórias contadas pelos verdadeiros protagonistas, os próprios adolescentes que vivem na Fundação. O filme “Recado para o Mundão” estreará no Festival de Brasília nessa segunda-feira, dia 26, E depois da exibição, o diretor participará de um debate. Além de Diogo, o professor André Moncaio também participou do documentário, fazendo a Direção de Fotografia.
O COMEÇO
Tudo começou quando o diretor pesquisava “os movimentos artísticos que se conectavam com as lutas populares e, além de situações que são “feridas do sistema”, como diz uma letra do MC Daleste. Dessa maneira, passei a me dedicar na pesquisa sobre violência e memória social, pesquisa que também realizo junto ao Estudo de Cena, grupo de teatro que faço parte como diretor e dramaturgo… Como referência, fico atento aos chamados “meios de comunicação de massa”, busco estar por dentro das novelas, programas de auditório, reality shows e telejornais. Nos tempos atuais, a imagem do bandido é muito difundida nesses meios de maneira estereotipada e via imagens “documentais” de câmeras de segurança. Essas imagens estão presentes na TV diariamente com narrativas absurdas sobre o banditismo juvenil, e recentemente, essas imagens fantasmagóricas foram bandeira para a redução da idade penal” revela Diogo.
A REALIZAÇÃO
Para realizar o filme, Diogo passou oito meses na Fundação CASA, conversando com meninos e meninas, fazendo experimentos, entre eles usou: filmes-carta, autogravação corporal de tatuagens, filmes de ficção, tudo com suporte simples, como, por exemplo, webcam. “Por último, realizei alguns pequenos documentários, nos quais acompanhava educadores em seu trajeto de casa até a Fundação CASA, estes gravados em HD. Nessa relação com os jovens fui sendo preenchido de histórias, reais ou não (não importa). Existe lá dentro uma necessidade e vontade de narrar. A situação do corpo aprisionado e disciplinado não impede a mente de estar em alto giro, é uma situação de tensão; o corpo tem que se comportar, mas internamente, todos/todas estão muito mais acelerados; mente e corpo não estão em harmonia. Uma hora tem que explodir, quase uma panela de pressão….” relata o diretor.
Essas histórias, contadas a Diogo, revelam muita coisa: “costumes culturais, afetividades, muita coragem, principalmente na hora de tomar decisão frente às situações da vida, e também desejos.. como os de um jovem qualquer. Sobretudo, essas narrativas têm muito conhecimento; conhecimento que não é aceito pelo modo de vida “oficial” ou não é revelado. Muitas vezes, o jovem infrator é mostrado sem subjetividade, é um objeto a ser escondido, retirado do convívio…. ” conta o diretor.
O FILME
O filme trata da história de meninos e meninas que se encontram privados da liberdade, e enviam recados para quem está atrás da câmera. Depois de falarem para essa câmera, o diretor Diogo Noventa os entrevista, revelando que há muito mais por trás das máscaras que usam, literalmente.
Conta Diogo que, por lei, não poderia expor esses jovens, “era necessário pensar uma maneira de filmar sem recorrer à tarja preta nos olhos ou esfumaçar o rosto; estética relacionada à imagem do bandido nos telejornais. Por isso, usamos máscaras. No trabalho com a equipe de arte, Juliana Liegel e Valter Mendes, chegamos às máscaras de origem cênica, expressões cênicas do continente africano, ópera chinesa, commedia dell’arte, Kabuki e expressões humanas. O uso da máscara é um exercício que permite ampliar a possibilidade da fábula e de uma relação diferente com o corpo, no caso do filme, também de incorporar a máscara à identidade de cada um ou transformar sua identidade a partir dela. Cada um escolheu a sua máscara, a partir de exercícios preparatórios para o filme” declara Diogo.
RECADO PARA O MUNDÃO
O diretor conta que sua ideia não é ser um intermediário dessas vozes, até porque participa do filme, é um personagem, mas “a ideia é que o filme fale de histórias que não vêm a público, … outros pontos de vista… O nosso modo de vida não é único, os costumes e cultura não são únicos, mas são construídos socialmente”. Dessa forma, o filme vem para romper a barreira entre os mundos sociais, buscando a legitimidade desse mundo, “contudo, não se tem nessa proposta o culto à espontaneidade da autoexpressão em si mesma, muito menos a utopia da imagem autêntica e pura. O filme apresenta, através da representação de recados, histórias de jovens detentos”.
CURIOSIDADE
Diogo fez uso de uma opção interessante para filmar seu longa, “nos experimentos que realizei, não me agradava a imagem em Full HD, 16:9. Não era uma boa interpretação estética do ambiente… Além disso, a imagem da câmera de segurança está diariamente na TV como um show de terror e suspense. Então, a ideia foi usar essa imagem que tem uma conotação social do horror, do medo, da vigilância, mas por essa imagens apresentar narrativas de vida, de energia vital. E optamos em fazer o filme em 4:3, a tela quadrada, com as 04 câmeras apontadas para o centro, traduzindo a força centrípeta. A tela quadrada e a decupagem para o centro geram o aprisionamento do olhar do público, traduz a disciplina. O que expande a imagem, que rompe a regra ou a lógica são as histórias, os salves enviados para o mundão. Este foi o combinado, que cada um iria entrar em uma sala com 04 câmeras de segurança e enviar um salve (recado) para o Mundão” relata Diogo.
SERVIÇO
Exibições
Dia 26/09, segunda-feira,
Cine Brasília, às 14h
Cine Cultura Liberty Mall, às 19h
Entrada franca
DEBATE
26/09, segunda-feira, após exibição do filme,
No foyer do Cine Brasília
FICHA TÉCNICA
Produção executiva: Manfrini Fabretti
Roteiro: Diogo Noventa
Fotografia: André Moncaio
Montagem: Marcelo Berg
Som: Bruno Palazzo
Direção de arte: Valter Mendes
Cenografia: José Toro-Moreno
Produtora Filmes de Abril Produções Audiovisuais Ltda.