Matias Liebrecht, o animador brasileiro de Tim Burton, diz que se sente um verdadeiro doutor Frankenstein
Brincando de Deus, feito um Doutor Frankenstein. É assim que o animador Matias Liebrecht se sente enquanto trabalha com seus bonecos e animações. “É muito impressionante este sentimento de ‘criador’, onde damos vida a um corpo inanimado”, conta.
Dentre os trabalhos que desenvolveu, Matias Liebrecht trabalhou no longa preto e branco “Frankenweenie”, de Tim Burton, movimentando o menino Victor e o cão Sparky. A animação foi indicada ao Oscar e ganhou 11 prêmios internacionais. Também atuou no indicado ao Oscar “Os Boxtrolls” (2014) do estúdio Laika, e “Kubo”, que será lançado este ano, com Charlize Theron e Matthew McConaughey. Fez diversos longas, comerciais, séries de TV e curtas, além da animação em stop-motion mais famosa do Brasil, “Minhocas” (2013) e a animação para TV Disney Presents: “We wish you a Merry Walrus” (2014).
Liebrecht estará nas duas unidades da Academia Internacional de Cinema (AIC) para um Workshop sobre Animação em STOP-MOTION. Nos dias 09 e 10 de abril em São Paulo e nos dias 22 e 23 de abril no Rio de Janeiro.
Além de abordar a animação de forma teórica, trazendo um panorama histórico, de linguagem e sobre as diferentes técnicas, entre elas a 3D, o curso mergulha na técnica do stop-motion (técnica na qual se fotografa algo quadro-a-quadro, alterando o seu estado ou posição entre cada fotograma, criando assim a ilusão de movimento). Todo o foco do workshop será o contato direto com o personagem (os bonecos articulados trazidos por Matias) e o aprofundamento nas técnicas de expressão, atuação, coreografia e encenação.
ENTREVISTA – Matias Liebrecht
AIC – Como e onde começou a paixão pelo stop-motion?
Matias Liebrecht: Eu já tinha interesse na coisa há tempo, desde que fui estudante de cinema da FAAP nos anos 90. Mas foi há 13 anos, quando morava na Alemanha e estudava design, que fiz meu primeiro curta-metragem em stop-motion “Fingerspitzengefuehl”, como trabalho semestral universitário, em parceria com um estúdio de animação, na cidade de Frankfurt. A paixão e a entrega vieram mesmo quando vi aquele meu personagem criar vida em minhas próprias mãos. É muito impressionante este sentimento “criador”, a partir de um corpo inanimado (daí o nome – animação). A gente se sente como um doutor Frankenstein, brincando de Deus.
Depois disso não parei mais. Agarrei todas as oportunidades que tive para aperfeiçoar a minha técnica, indo de curtas para séries de TV, comerciais e longas-metragens, e nunca mais tive outro trabalho na vida. É um privilégio o qual eu tento honrar sempre.
AIC – Conte um pouco sobre como é trabalhar com Tim Burton.
M.L.: Tim Burton é um apaixonado e parece uma criança entusiasmada com cada cena que fica pronta. Isso é muito inspirador. Ele faz questão de parabenizar pelo trabalho bem-sucedido. Stop-motion é um processo extremamente lento e maçante, não podendo acontecer sem a total paixão e devoção. Fui um dos animadores em seu filme “Frankenweenie” (2012), que para mim é muito especial, não só por eu ter passado 18 meses imerso neste projeto, mas porque também foi um de seus filmes mais pessoais, e por isso mesmo dos mais vigorosos.
Stop-motion tem uma história de mais de um século, e Tim Burton é sem dúvida um dos maiores responsáveis pela sobrevivência desta técnica hoje em dia. Vide “O estranho mundo de Jack”, “Noiva cadáver” e “Frankenweenie”. E isso pode ser constatado em sua mostra retrospectiva, atualmente no MIS.
AIC – Sabemos que para fazer um curta usando a técnica de stop-motion é um processo trabalhoso e demorado. Como é encarar esse desafio dentro de um longa?
M.L.: “O dia-a-dia num longa é como nas trincheiras”, dizia um diretor meu. E é mesmo, porque demanda disciplina, resistência, persistência, e muito punho, para manter seu processo criativo em alto nível, segurar a barra quando houver conflitos de opiniões (todo dia), e não desabar com a pressão externa e interna (o anjinho do perfeccionismo sentado no seu ombro), afinal você produz como animador uma média de um a dois segundos de filme por dia!!! Ou seja, às vezes uma única cena, pode durar meses, dependendo da complexidade.
Na verdade, um curta e um longa têm uma produtividade parecida. Nos dois costuma-se investir extremo esmero, pelo caráter único que têm como obra. Já uma série de TV, é todo o contrário, por ser um produto mais digerível, feito com a alta rotatividade e fácil comunicação com o público em mente. Em séries e comerciais a agilidade e eficiência são ainda mais importantes.
AIC – Conte sobre o workshop que dará na AIC?
M.L.: Este workshop terá o caráter de volta às raízes. Algo importante neste mundo a jato nosso. Stop-motion envolve muita coisa, construção de bonecos, personagens, luz, câmera e mais. Nós iremos abordar somente a animação. Com isso poderemos mergulhar em nossos personagens, e desenvolve-los com cuidado, lapidando o nosso toque.
Eu vou trazer um boneco articulado por participante, para que cada um possa se concentrar na sua coreografia, atuação e encenação, e tentarei repassar todos os truques que fui juntando durante anos. Trabalhei em oito longas diferentes, e aprendi muitas técnicas distintas, mas o que não há, são limites para a expressividade do animador.
*Matéria publicada na ZOOM Magazine
** Fotos Divulgação