Gabriel Mascaro fala sobre a produção de Boi Neon
O segundo dia da Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema (AIC) de São Paulo contou com a presença de Gabriel Mascaro e a exibição do premiado “Boi Neon”, em cartaz nos cinemas do Brasil.
Da mesma forma que o filme mistura força e delicadeza, Mascaro trouxe esses sentimentos à plateia. Por um lado, defendeu suas ideias e contou sobre a produção do longa com força e convicção. Por outro, mostrou uma grande humanização dos processos de trabalho e no carinho e serenidade como tratou toda a construção fílmica.
Começou falando sobre seu processo de pesquisa que durou seis anos e sobre a feitura do roteiro, dos diálogos e da preparação do elenco. “O roteiro pressupõe uma porosidade. É um filme poroso, com brechas, para que a vida transborde. Para que o filme carregue com ele as experiências dos personagens. A própria preparação do elenco foi muito rica. Tinham os bois, os cavalos e os animais também imprimiam uma forma de jogar os atores para fora de um lugar de controle. De repente um boi berrava, (risos) os personagens davam aquele respiro e a gente continuava. No cinema, geralmente, tiramos da cena tudo que é considerado perda de tempo. Minha ideia era fazer ao contrário, para mim essa ‘perda de tempo’ era a força corporal do filme. Boi Neon é um filme generoso com esses rituais orgânicos e banais do cotidiano”, contou para o público.
Mascaro disse que para ele o filme trata sobre o corpo como lugar de transformação, sobre as novas referências de gênero e o momento de atualização de novas experiências do corpo. “Os personagens não necessariamente têm uma inversão, não queria um homem feminizado ou uma mulher masculinizada e nem que as pessoas pensassem sobre isso ao assistir ao filme. A ideia é que a gente vá naturalizando esse novo devir, esse escalonamento dos personagens. Não necessariamente apenas com os corpos humanos. Também pensei em como olhar para esses animais de forma justa, honesta, com carinho possível para pensar eticamente o corpo animal. Como olhar também o imaginário da mulher grávida num lugar que historicamente está associado ao macho alfa, a santificação, que a mulher grávida passa por um processo sacro e puro? O filme tenta descontruir com tudo isso, normalizando os conflitos. Os grandes conflitos estão na gente, não no filme em si”.
Entre uma pergunta e outra o diretor também falou sobre a preparação dos atores, sobre a equipe enxuta e contou curiosidades da gravação. Para a preparação do elenco, Mascaro contou com o trabalho de Fátima Toledo. Abriu mão de continuísta, contrarregras entre outras funções consideradas essenciais para a maioria dos diretores, em troca de mais diárias de gravação.
“O método de trabalho de boi neon começou com a convivência com os vaqueiros, queria construir e imprimir de fato essa relação de afeto. Além disso, o filme não tem cortes e pensamos muito em como lidar com essa estética de atuação, já que não contaríamos com as possíveis manipulações da montagem”, contou. Falou também sobre a questão da intimidade com os personagens já que não foram usados closes. “Quanto mais eu me afastava mais eu descobria esse lugar da intimidade. É um filme distante. Você quase não tem close, mostramos os atores no todo, é uma relação muito paradoxal o de perceber um lugar e de construir uma realidade de intimidade no distanciamento. A ideia era um pouco a recusa da emoção. O filme não aponta para a psicodramaturgia dos personagens. Ninguém se transforma”, contou.
Mascaro revelou que a tudo começou com a ideia de fazer um filme sobre fazendeiros e cavalos, sobre a aristocracia dos fazendeiros. Mas dentro desse tema não achou um lugar de afeto onde pudesse se encontrar. Até que, durante sua pesquisa, conheceu um vaqueiro que trabalhava também com costura. Foi com a energia desse personagem real, pensando nas contradições universais que habitam o mesmo lugar e as ambiguidades do próprio corpo, que nasceu toda a ideia do filme.
Por fim, o diretor aconselhou os estudantes: “O mais importante é você ser honesto consigo mesmo, com as suas ideias. Não se preocupar muito com essa lógica de carreira e deixar as coisas virem”.
*Fotos Raissa Nosrallaa